Vigésimo oitavo dia
"A quarentena de um poeta"
Vigésimo oitavo dia:
Eu estivera a fazer a minha parte a não me sentir culposo, o dia amanheceu com as flores abertas a anunciar o Domingo de Páscoa, dia em que todos os crentes e ateus se abraçam na esperança de novos dias, mas que uma grande pandemia impedira o calor humano que estivera a ser substituído literalmente pelos pedidos de orações.
No dia da fuga de uma poderosa dupla, há dois dias atrás, o coelho passara voando raso sob os galhos do nosso jardim a deixar um ovo enorme escondido entre a cheflera verde e amarela que o camuflara naquele momento de guerra.
E quando Asaph o descobriu, eu compreendera o arriscar daquelas pessoas a enfrentar o local proibido, tal eram os gritos seus de alegria.
E pela primeira vez eu não enchera um saco de ovos de chocolates e bombons sortidos para entregar aos meus. Duda não vira a minha chegada e o mundo virtual não fora capaz substituir aquele abraço tão carinhoso que minha neta sempre recebera há nove preciosos anos.
Ela entendera que depois que o bicho papão fosse embora, eu a encheria de brinquedos, faria todos os seus desejos e aumentaria a frequência do matar da saudade.
Eu me programara otimista e após a grande tomada, eu correria nas areias da praia a mergulhar nas ondas a deixá-la me devolver encaixotado, eu jogaria futebol com os amigos do meu bairro antigo a disputar o campeonato sub-sessenta o qual fora convidado, eu comeria a picanha assada do Bola e o pernil temperado do Nando, eu pescaria na lancha do João, mais um irmãozinho de coração, eu almoçaria com alguns dos meus leitores a presenteá-los com a minha coletânea, eu pediria perdão a quem deixei mágoas em seu coração, eu dobraria os cuidados às crianças da escola, eu tomaria menos coca-cola, eu escutaria os conselhos de Maria, eu reveria todos os meus amigos do científico, eu escreveria mais poesias, eu respeitaria o semáforo durante o dia, eu economizaria a água do quintal, eu veria o mundo diferente, eu recapitularia meus pensamentos, eu conversaria com Deus e diria:
Preciso de ti
Ingrato e distante de ti, Senhor
Atribulado e ofegante eu estou
Buscando a ti novamente
Sem ser um merecedor
Lamento pelos meus delitos
Pelos ditos e não ditos
Pelas contendas criadas por mim
E pelas coisas que não acredito
O teu amor é tão grande
Que sei que já me perdoou
Pois tu és indulgente
E conhece o verdadeiro amor
Não deixes que eu me desprenda
Da tua preciosa palavra
Para que um dia eu compreenda
Tudo aquilo que me falas
Somente a tua piedade é capaz
De aceitar o homem esgotado
E a cada dia que passar
Quero estar sempre ao teu lado
O teu amor é tão grande
Que sei que já me perdoou
Pois tu és indulgente
E conhece o verdadeiro amor