Lesmas rastejam nas paredes mortas

É difícil pensar que já não existe nada a ser dito.

As sandálias gastas me esperando na porta

tem muito a dizer,

os sapatos empoeirados embaixo da cama

também.

O espelho sujo na sala então...

As paredes do banheiro, esse cubículo úmido onde tantas coisas são criadas e abortadas possuem tantas histórias para contar.

as minhas cuecas,

os meus óculos.

Nos olhos profundos das toscas galinhas em meu quintal,

nas incansáveis lesmas que aparecem magicamente lá fora nas noites de chuva

e até mesmo nos ponteiros incessantes do relógio, há tanto a ser dito.

A vida explode e borbulha.

Mas as línguas estão nas bocas erradas

e os dedos estão dependurados em mãos inertes.

Sempre tive a impressão

de que Deus deu cada coisa exatamente

para quem não precisa ou para quem não merece.

Mas o tempo me mostrou

que o verdadeiro problema é que aquilo

que temos nunca pode nos satisfazer,

não por muito tempo,

e isso é tão certo quanto morrer:

"A satisfação é o caminho para o tédio."

Estou quase perdendo.

Perdendo o quê?

Perdendo o fio da meada.

A meada se partiu.

Não há fio

Não a nexo.

Nexus.

É quase engraçado,

Ninguém me pede para escrever

mas parar de escrever

seria uma das piores covardias e quase um atentado contra mim.

Para onde eu lançaria tudo o que está aqui dentro, todo esse rebuliço, toda a bagunça, a tristeza, o ódio?

Quem recolheria meus pedaços pelo chão?

Como eu deixaria partes de mim

nesse mundo sem sentido e rápido demais para quem não sabe o que quer

a não ser através das palavras?

Com quem mais eu posso conversar

a não ser com as linhas em branco?

Elas podem me dizer

qualquer coisa

e essa força,

nada pode impedir.

O Bêbado
Enviado por O Bêbado em 04/04/2020
Código do texto: T6906894
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