De volta à vida (bviw)
Era ali a casa que tinha. O mato cresceu em meio a restos de tijolos, de telhas, de madeiras. Ele foi o último a deixar a roça e mudar-se com a família pra cidade grande. Seguindo o que ocorria no resto do mundo, aquele lugar foi ficando infeliz e, junto com a natureza inteira, passou a sofrer de solidão. Flores nasciam e morriam nos campos sem que ninguém visse. E os homens, todos, aglomerados nas lotações sabiam disso. Escolheram, porém, o mundo novo de corridas ao ouro e competições. E todos eles perderam o jogo. Insistiram no desafio urbano, apostaram num esforço sobre-humano até que o mundo pisou fundo no freio - atendendo a um anseio inconsciente da própria humanidade. Um baque descontrolado no corpo, um desamparo na alma, uma lição doída, perda de vidas seguida de milhões de vítimas. Dilacerados, voltaram para a casa abandonada dentro de si. Na clausura conhecerem o sossego imposto. Voltou ao paladar o gosto pelas coisas simples: água, sabonete, mão, respiração, consciência corporal. Viram a mesa, a hora do almoço, o prato, as plantas, a comida do gato. Rasgaram segredos, queimaram lembranças. Admitiram que paixões mal sonhadas são a porta aberta para o deserto interior. E foi nas janelas, durante a troca de olhares medrosos, que descobriram a música, a alegria, os talentos, os vizinhos. E na dúvida sobre quem iria morrer, descobriram que o mundo é grande; sempre haverá um lugar onde todos poderão viver e estar em contato com o tempo, com o ar, com o dia, com a noite. Descobriram que viver é viver feliz.