AÍ, ACORDEI PRIMATA

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Para o texto: Sobre nossas urgências (T6897600)
De: Argonio de Alexandria

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Aí, pendurados lá no alto de nossos edifícios, descobrimos que não há mais engarrafamentos, o ar não está poluído e as ruas - vazias de gente - estão  belas,  limpas,  saudáveis, transitáveis.

Ai, somos capazes até de ver, nos recantos do meio-fio, lá embaixo, as formiguinhas trabalhando. Que inveja, não?!... Andar e trabalhar juntinhos, como elas fazem, dando uma paradinha - aqui, ali - pra um papo legal e informal, até pra falar da formiga alheia, hein!...  Aí, todos observamos essa cena milagrosa, ou mudança brusca de paisagem, ao mesmo tempo.

Aí, ao mesmo tempo, todos descemos, correndo, pra  desfrutar  de  perto a encantada riqueza. 

Aí, como que impedidos pelos neotranseuntes, que - tendo ocupado as ruas de uma só vez,  assumiam os seus lugares e pareciam matar-se uns aos outros - descobrimos que aquela harmonia das formigas somente conseguimos imitar enquanto estivermos dependurados lá em cima, agarrados às nossas ramas de concreto.   

Aí, sem ser vistos (mas fazendo graças para quem passa, balançando-nos entre armadores, pra cá e pra lá, nas redes sociais), embora distanciados dos galhos uns dos outros, posamos em vídeos quais hominídeos, quais primatas com gravatas, quais sensuais ancestrais.
 

Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 29/03/2020
Reeditado em 20/11/2021
Código do texto: T6900587
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