Vale dos últimos
Criatura a implorar piedade
Caminha pelo vale dos últimos,
Declarou morte a esperança,
Não consegue mais ver o horizonte.
O brilho dos olhos ofuscou,
Não vê o sol, há trave nas pupilas,
Assim como os lábios rachados,
Pois há muito não pronuncia nada,
Chora sem lágrimas, apenas sente a tristeza no peito,
Chegou o tempo de solidão, corpos não se misturam
Somente saudades dos que nos rodeavam e a
dor transpassada pela punhalada da fome, vida desolada,
Ser destruído, banido dos próprios ideais,
Vida que se vai... Sem ter despedida,
Se insiste na esperança perece, embora o medo se instala no peito,
Sem permissão de si mesmo arrasta-se pelo infortúnio, descansando ao relento,
Vale dos esquecidos, porém passeio de muitos,
Contrastando a cega romaria urbana que passa emplumada,
Enquanto cicatrizes riscam corações ao próprio destino,
Deste grande número de ninguém disperso,
Apesar de inclusos na população mundial,
Os quase sem senso, nem conhecem o recenseamento.
Fruto da moléstia do século, de injustiça, de traição,
Agora mendiga atenção e o pão,
Uns carregam a culpa de ter confiado no homem,
Outros herdaram este berço cruel, Infelizes sina como compensação,
Sem rumo caminham rasgados, conduzindo ainda resquícios de vida,
Nem mesmo mantém as mãos estendidas, falta-lhe até mesmo ar,
Pois se alongam numa silhueta perdida
Da exótica figura isolada, menosprezada...
Quem se coloca melhor que ti? Se herdaram o mesmo chão.
Quem duvida que por baixo desta casca esteja uma criatura,
Foste tão ruim assim pra colher pedra,
Ser castigado e silenciado pelo algoz?
Sua sentença é a própria essência e não nos cabe julgar,
Misericórdia não nos pode faltar.
Mas nada foge do contemplar de Deus,
Que escolhe ressuscitar o morto
Dá vida aos ossos secos,
Exalta o excluído, desprovido...
Que promete prover o último ao primeiro...
Que se arrasta pelo vale dos últimos,
Descansando ao próprio relento...
Escrevi este poema em 1980 e relendo, vi que tem muita semelhança com o que estamos passando na atualidade.
Tetecrispim