Nono dia

"Quarentena de um poeta"

Nono dia:

O sono se fora às duas horas da madrugada, revi parte de minha obra literária e alguns dos mais de quatrocentos textos conversavam comigo. Dei somente ouvido aos poemas de amor.

Chega de críticas e sarcasmo!

Era o momento de viver a mais forte de todas as armas, o amor pelo próximo.

Dei uma pausa no poema das flores, seres vivos que nos alimentam de sua beleza e seu olor ao ouvir que:

No terceiro dia Deus criou as flores

Pois juntou as águas debaixo dos céus

E quando apareceu a porção seca “Terra”

Nasceram as primeiras sementes e ervas

Então, por que o colher dessas flores?

Se mortas na mão lixo serão

Se secas perderão suas cores

E os seus odores ficarão em vão

Pelos colibris, são fontes beijadas

E também pelas águas entornadas

Do chafariz das praças, pela relva do campo

E pela ressacada da mata

O vendaval vespertino que traz o temporal

Não deseja a morte do menino e do floreio natural

São fortes, plantadas e sem o pedúnculo inciso

Não tecem, não fiam, mas se vestem de linho

E quando o inverno passar

Aparecerão flores na Terra

Pois será o tempo de cantar

E se ouvirá dos pombos, o arrulhar

Uma aldravia batia na porta do meu coração a toar:

perdurar

coisa

de

pele

permanecer

preso

O dia amanheceu e havia tarefas a ser feita pelo provedor. Pus no fogo a água do café ao lembrar das tantas vezes que Tontonha batia a gema com canela em pó para sustentar meu dia.

Recebi a lista de compras para abastecer a despensa e via "delivery" solicitei os alimentos. Ao caminhar para atender a campainha, temi pela forma de entrega e fiquei atento, porém me senti seguro ao ver o empregado do supermercado com um traje exótico a fazer o despacho dos produtos.

Esta estava a ser a realidade do mundo. O meu super-herói vestia uma capa de chuva, calçava sapatilhas propé, usava luvas de hospitais e máscara de cirurgião a servir a nossa cidade e a enfrentar um adversário sorrateiro.

Ele realmente representava os que amavam o próximo, estava no meio da guerra a arriscar sua vida a não querer que gotículas viajassem em direção ao poros dos velhinhos. Senti-me lisonjeado com tal cena e ao encontrar Alice na cozinha jorrei gotas de lacrimas no chão que rapidamente tratei de higienizar.

O restante do dia foi de reflexões, aprendizados e orações. O meu deitar solitário era coberto por um lençol de fustão e o adormecer veio suave como a paixão de dor que eu vivia.

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 28/03/2020
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