Sétimo dia
"A quarentena do poeta"
Sétimo dia:
O domingo era de sol, em outros tempos eu estaria na beira da piscina do Rota do sol a me esbanjar de alegria em companhia de Alice. Entretanto o que poderia desviar o meu pensamento das coisas dantescas era assar uma carne. Encomendei um pedaço de alcatra do boi, algumas asas de galinha e uma dúzia de linguiças toscanas. Não existia nada que me proibisse fazer um almoço tão delicioso para os meus.
Era uma forma de espairecer cortar as unhas das asas e temperá-las com alho socado em pequena quantidade de sódio. Limpar a gordura da grelha sob a bica da garagem sempre me trouxe desânimo e preguiça, mas desta vez qualquer que fosse a atividade seria muito bem-vinda. Alice estava cansada, sua semana foi muito atarefada devido a mudança doméstica e novos hábitos. Ela merecia ser bem servida, pois era digna de ser exaltada. A cada semana eu deveria por amor e gratidão separar um dia para que suas forças fossem restauradas, pois a mulher virtuosa tem o valor que excede a uma pedra preciosa.
Tão nobre é esta companheira que canto sem cessar o quanto estou amiúde a apreciá-la:
Mulher
Mulher é como uma flor
Que pétalas são seus cabelos
E suas sépalas, as suas vestes
A proteger seu lindo talhe
Um flor incompleta
Todavia, repleta de perfume
A ser a menina dos olhos
Da mão masculina
Que muitas a tocam sem lhe cuidar
A arrancá-la da terra
A esfarelá-la
A jogá-la no ar
Mas o vento a conduz
E de volta ao bosque reluz sua beleza
É o renascer da semente
Do mais belo ser da natureza
Fora um dia de ode à Alice a cotejando com as nove musas da mitologia tal são as suas virtudes:
As nove musas
Musa, minha grande paixão
O meu coração é o seu templo
Onde aguardo o momento
Da mais bela inspiração
Com a suave voz de Calíope
E a arte do bem falar
Estou a me convencer
Que amor é um atributo do cantar
Com o que proclama Clio
A invadir minha lauda
Que aguarda a sua chegada
Para traçar cousas
Com a poesia lírica de Erato
Que com o som da lira pequena
Dá-me o momento exato
De exaltar-te, Morena
Com o sonido da flauta de Euterpe
Que doa a mim prazeres
A me fazer desenhar seu talhe
Nos detalhes do meu canto
Com o alerta da poetisa Melpômene
Que desperta minha destra
A não cometer erros
A escrever a catarse
Com o acervo de Polímnia
Que louva a Deus
A me deixar grato
Pelos atos seus de compaixão
Com os odores de Tália
A que faz brotar flores
A incitar o meu sorriso
Ao vê-la passar
Com o balé rodopiante de Terpsícore
Que desfila o seu corpo
Coberto de tecido de grinalda
A impulsionar o verosimilhante
Com a celestial Urânia
Que comanda o mar
A me fazer encantar
Pela dança das águas
Com Alice, a mais bela ...
À noite eu a tive em meus sonhos:
Beijos e mais beijos
Quero me besuntar com o seu batom
A sua bocarra na minha boca fechada
Como o pão que saiu da primeira fornalha
No fim da madrugada
Quero o café da manhã na mesma cama
O chuvisco das águas mornas no mesmo lugar
A toalha gigante a nos secar
No instante que retorno a te beijar
E outra vez quero me lambuzar dos seus beijos
E mais beijos, beijos e mais beijos