Sexto dia

"A quarentena do poeta"

Sexto dia:

Era o primeiro fim de semana sem futebol. Os campos de várzeas vazios finalmente nos fazia entender que o povo carioca e o da baixada fluminense estavam a se conscientizar.

Abri o portão e pela primeira vez não avistei a vizinha que todos os dias varria o chão a dizer sobre a vida alheia, não vi o copo de cachaça que alimentava o jogo de cartas em frente ao bar, não vi as testemunhas apertar campainhas para apresentar Jeová, não vi o homem do saco vender o aipim de Acari, não vi os peladeiros aglomerados na esquina.

Todos estávamos na mesma barca imparcial, onde não deveria haver distinção de cor e nem outro tipo de preconceito a me fazer entrever que o sangue humano é de somente uma cor, que nessas horas o preto salva o branco e o branco salva o preto:

O soldado preto junto ao soldado branco se expunha para nos proteger, o enfermeiro preto junto ao enfermeiro branco se arriscava a cuidar dos pacientes, o motorista preto junto ao motorista branco transportavam o risco, outros mais pretos e brancos lutavam pela minha vida anonimamente e reforçava que haveria uma esperança de que depois de tudo passar teremos um mundo diferente e não mais me manifestarei desta forma:

Se o preto é um cara pobre

Tem a alcunha de Feijão

Isso é discriminação?

E se o branco é um cara pobre e o chamam de Arroz?

Isso é zoação?

Não, talvez seja um problema racial

É problema social?

Se o preto é rico não há indistinção

Se o preto fica bonito há aproximação

Se o branco é pobre não há integração

Se o branco fica feio há segregação

Não, talvez seja um problema racial

É problema social?

A cota do preto, o branco protesta

É o branco querendo se justificar

A cota do branco , o preto detesta

É o preto não podendo lutar

Não, talvez seja um problema racial

É problema social?

E se o preto salva o branco?

A sociedade desce do tamanco

O preto doa sangue que misturado ao sangue do branco lota o banco que transfunde por ordem do branco que de jaleco branco salva o preto e tantos brancos.

E bato no peito a dizer que sou mulato, miscigenado pelo ato preto e branco e o meu sangue é da mesma cor do preto e do branco, uma cor sem preconceito.

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 28/03/2020
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