A MORTE NO SERTÃO

Se o mundo acabar

E eu hei de acabar também

Pinto mil telas de fuga

Pra fugir do que vem

Desenho curvas de estradas

Com rotas desconexas

Pra enganar até a morte

E nessa lei achar uma brecha

Pois a morte não há de me encontrar

Nem que seja em pau de guerra

Abrindo camadas entre a terra

Descendo pra cima

Subindo pra baixo

Tu acha mesmo que a morte cega

Há de entender o recado?

Pois não há homem na terra

Que entenda a língua do contrário

Andando reto em linhas tortas

Pintando o céu de amarelo

Angatu eu digo pra morte

E ela não entende nem um verso

Pois de sábia não tem nada

Apenas é ceifadora de almas

E pregadora de mistérios

Já pensou andar no céu

E depois voar no chão?

Acender um candeeiro

E descobrir que é lampião?

Receber tiro de fuzileiro

E ficar curado do coração?

É motim que não acaba

Dentro dum lugar vazio

É cavar o chão na enxada

E sentir que a terra subiu

Porque buraco a morte não acha

Pra enterrar meu corpo sadio

E se o contrário é o que digo

De doença hei de morrer

E a morte me pegará

Fazendo meu corpo apodrecer

E no fundo restará

Sem saber da enganação

Um punhado de contrário

E eu pegando a morte então

Fazendo dela divindade

E abençoando o meu sertão

E onde tem seca

Aparece chuva

Onde tem fome

Comida nos potes

E a ceifadora, coitada

Levando o contrário da morte

Fazendo do sertão um poço d'água

Reacendendo toda sorte

E aprendendo da forma mais braba

Que os filhos de lampião é que dão o bote.

R.K.