Doce menina...
Deita tua cabeça no meu colo, hoje quero te falar sobre meu caminhar.
Sabe menina, hoje se a gente considera o tempo como essa medida absoluta, sou uma adulta. Se olho para o passado e para o futuro vejo que estou me distanciando da criança, da menina que um dia fui, e me aproximando das anciãs com quem muito aprendi. E o que aprendi com elas, queria partilhar contigo, pois em breve estarei com todas as que me ensinaram.
Ah, uma das maiores lições que as anciãs me ensinaram foi sobre a beleza. Não a beleza cultuada por uma sociedade doente que cria padrões estéticos nem sempre possíveis para todas, que exclui grupos étnicos, que força a pessoa a negar a idade, que escolhe excluindo, que seleciona colocando muitas pessoas às margens. Esta beleza é construída. E sabe o que tem de pior nela? Ele é seletiva inclusive com a classe social. Sim, menina, pois se você tem mais dinheiro você pode gastar mais para se desnaturalizar e se aproximar desses padrões socialmente estabelecidos.
As anciãs me falaram de outro tipo de beleza, de uma beleza natural que vem da aceitação de nós mesmas, que vem do amor próprio, do respeito a si, da autoestima elevada, que vem do coração e da alma.
Ah, minha doce menina, essa beleza nos coloca em frente ao espelho e nos fala das nossas rugas e marcas de expressão como linhas escritas em nosso corpo. Cada ruga, cada cicatriz de ferimento, cada marca de expressão conta nossa história, conta nossa trajetória.
E sabe os que elas falam? Falam dos nossos erros, dos nossos acertos, mas acima de tudo de nossa experiência, dos nossos aprendizados com os erros e acertos, das coisas que mereceram ( ou não – e depois foi que descobrimos isso) parte relevante de nosso tempo. Falam do quanto somos pessoas melhores por termos vivido. E a vida que se demarca no corpo, se faz sentir na alma, através do olhar.
É menina, é o seu olhar que traz sua beleza e sua vitalidade. E sabe por quê? Porque ele não mente, porque você não consegue mascarar nem colocar maquiagem nele. Seus olhos falam da tua beleza mais que sua boca ou que qualquer parte do seu corpo. Seus olhos, querida, refletem seus desejos mais íntimos, sua essência, sua alma.
Sabe menina, entre as anciãs, há quem goste de maquiagem, de pintar o cabelo, de usar hidratantes, de saltos altos... há também quem goste de manter o cabelo natural, com o brilho cintilante ou branco, quem goste de andar descalça, de manter o rosto limpo. Elas me disseram que foram escolhas, e que as escolhas foram feitas a partir da relação com elas mesmas no espelho e com as suas histórias, foi um acerto de contas com o passado muitas vezes.
Há uma lição que aprendi com as anciãs, que jamais esquecerei. Elas são diferentes, têm escolhas diferentes, caminhos diferentes. Algumas são mais altas, outras baixas, umas gordas, outras magras, umas loiras, outras negras, umas mais velhas, outras mais novas, mas elas se olham com respeito, com admiração. São internamente curadas, são sagradas. Elas se veneram e se amam. Amam seu corpo, amam a energia que transmitem entre si, amam incondicionalmente. Elas olham para o espelho sem procurar os defeitos ditados pelo que seria belo na sociedade de uma época (é menina, o belo artificial também muda com o tempo e com o lugar). Elas olham para o espelho enxergando o que é belo nelas mesmas e por isso mesmo conseguem enxergar a beleza nas outras anciãs e em outras pessoas.
Por isso, doce menina, ao olharmos para outras pessoas, anciãs ou não, sejamos gentis e doces e busquemos enxergar a beleza natural, essencial: a beleza da alma.
Já dormes menina? Acho que o carinho nos cabelos deu sono. Talvez não tenhas me ouvido acordada, mas as palavras devem ressoar na tua alma e quando eu estiver entre as anciãs, que minhas palavras venham à tona com sabedoria, respeito e admiração.