MAGIA E A PRÓXIMA ESQUINA

É um canto bobo o cantar do triste. Nele há uma doçura em que não se mede a presença nem a ausência; sequer a solidão. Esse temeroso mistério é plástico tal a cabeleira verde do salso-chorão à beira dos riachos.

Ninguém jamais soube por quem chora – permanentemente – o salso. Seus ombros caídos e a gloriosa coluna cervical dobrada, como se lhe pesassem asas de um anjo exterminado.

O exterminador, o anjo capaz de tudo na tarefa de expulsar o Demo, tem costas retas, altivo mastro de bandeira: uma palmeira real e sua rala cabeleira.

E por que somente os salsos choram?

Nunca se soube que uma palmeira tenha chorado copiosamente. O que se observa são os olhos mareados ao tempo dos ventos de outono, ao lhe roubarem suas curvas palmas.

E nem por isto, por sua altivez e rarefeito choro são menos belas estas vegetais rainhas. Talvez porque o tempo cicie música em suas folhas.

O poeta é esse salso-chorão que se encurva sem nenhuma vergonha de chorar em público.

No entanto, é palmeira real ao emitir o seu canto: a fortaleza da palavra, recanto de magia vária. Talvez seja este o gume da espada do Anjo Gabriel em sua gesta de expulsar demônios.

É quando o espírito faz sua noite de glória, aquela em que o pensamento é a rocha elementar: o choro e o riso, a incontida emoção e a vigilante razão.

O gesto gráfico, aquele que rabisca o canto mudo, expulsa o poeta para fora do corpo.

E o hilário grifo, a blasfêmia ou o lirismo pousam na folha de papel tal um elefante com medo do rato.

Saibam os olhos de jararaca dos guarda-vidas da sóbria intimidade da moralidade pública, que demônios apresentam-se como hidras de múltiplas cabeças. Fênix renascida, a palavra dita e lavrada é cruel vencedora.

Porque o canto de se divergir é longo em todos os dias peregrinos em que se buscam respostas. E descanse em paz a aurora porque nem todos os poentes têm olheiras roxas.

Espreitam-nos sempre os cochichos que nada dizem. Também a posteridade, nos olhos das esquinas.

– Do livro CONFESSIONÁRIO / EU MENINO GRANDE. Porto Alegre: Alcance, 2008, p.278:9.

http://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/687971