Trincheira, meu Lar

Terra infecta minha boca. Sangue fede todo ar. Querer aqui não estar. Desejo uma cama quente, um beijo na testa. Céu horrível, nenhuma luz solar, tudo é cinza. Outrora amigo meu, morto diante de meus olhos. Não desejo, não quero ver isto. Tire-me daqui! Tempo para chorar não há, tenho, preciso manter-me sempre em alerta. Necessito retornar vivo para casa. Requiro piedade. Réquiems terão de ser compostos às dúzias. O meu não será composto, tenho coisas à fazer. Tenho uma vida para viver. Permito à mim viver, atirando á esmo sem mirar, faço-me herói sem reconhecimento. Como tal, ganho uma condecoração se sobreviver. Adquiro ferimentos, minha razão foi afetada. Tudo é triste e sem cor. Um projétil perpassa minha cabeça, por pouco ainda estou vivo. Entendo quase nada do contexto, que trouxe-me até aqui. Sou honrado, é meu dever realizar toda mazela que me imporam. Realístico, duro, feio e frio mundo, me deixaste abadonado. Me fizeste órfão de minha infância, mataste minhas memórias felizes em seu lugar me deixaste traumatizado. Louco fui quando desejei aqui estar. Metralhadoras metralham, meu ouvido pouco funcional rigozija. Rígidos estantardes atulhados de lama. Piso, solapo o que não é de minha nação. Pilha de corpos ao meu lado. Um ser faz movimentos involuntários, dou-lhe um tiro. Meu companheiro tem de morrer com dignidade. Granadas explodem, o braço de alguém caí à minha frente. Nada sinto sobre isto, a manga que lhe cobre tem cor inimiga. Há algum inimigo que indaga questões semelhante à mim? Miolos e entranhas respingam-se em minha face. Estou irreconhecível. De meu regimento, eu e outros poucos sobrevivem.

Helena de La Dauphin
Enviado por Helena de La Dauphin em 23/02/2020
Reeditado em 24/02/2020
Código do texto: T6872459
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