É sempre a mesma coisa e, você sabe, o deserto cresce à frente.

Antes de adormecer, feito poeira da vida cotidiana, gosto de ver você nos olhos destes lugares. Não quero me recuperar disso.

Eu sei que aquele bosque é um lar de tristezas e que estou perto demais da linha branca de espumas e navios naufragados. Mas que posso fazer senão sentir a lufada do vento nas árvores e envolver-me na imundície que as cercam? Deixe-me caminhar sobre a carcaça semiapodrecida de algum cavalo e estender-me aos montes em torno do cais. Quando cessar o verão do meu tempo, eu prometo, a alma já velha de outrora virá à janela. Eu já até posso sentir o vento sibilante da inquietude, que me havia sido soprado não sei quando, sair pelas narinas. Sim, eu também sei que alguma vida respira e não se move, ilhada no fosso de um só anseio. O que sobra é esse buraco estranho na carne. Não importa. Ainda que os dias adormeçam no tempo, as flores hão de se curvar. Enquanto isso, beijarei a face escura da noite e amassarei contra o solo frio da tristeza essas pétalas caídas.

Não se preocupe. É sempre a mesma coisa. E, você sabe, o deserto cresce à frente, por isso não me maltrate, não posso colocar rosas em seu templo.

Sim, talvez seja tarde demais para pensar o mundo. É que estou cansada. Esqueci a água do café no fogo e ainda me atormenta esse corredor enorme, tão imaculado e enfermo quanto os meus dias. Sinto falta do seu hálito quente de cigarro contrabandeado, embora deteste a destreza de suas mãos hábeis.

Eu disse, é sempre a mesma coisa. O vaso de begônias murchas no quinto degrau da escada. A flecha em meu peito disfarçada em uma ponta de arco-íris. A pena negra flutuando no vasilhame de água dos pássaros. O corpo magro forjado em lâminas. A terra por onde deslizam meus sonhos. O chão do quintal em que traço letras. O aborrecimento de um tuberculoso, às dez e quarenta e cinco da noite. Os meus dedos apertando as minhas costelas, e o mesmo isqueiro com que queimo esses dedos.

Você não entenderia. Nada aqui se cura ou floresce. Faz tempo que perdi as rédeas de tudo. Você sabe, a despedida é uma forma de morte. Seguirei engolindo a dor em silêncio. Mas saiba que tudo o que é vivo se contrai e que não passamos de um pedaço reciclável de incompletudes.