Livre Sou

Na rua havia um transeunte. Trazia uma mala negra como o fundo de uma caverna. Tinha o rosto sério como um homem de muitos compromissos. Ninguém sabe seus sonhos. Nem mesmo se está com fome, se sente cansaço, saudade, o que for. É apenas um homem sério com uma mala preta. Eu também sou séria, e você não sabe nada de mim. Também não te conheço. Comungamos o nosso desconhecimento mútuo. Somos humanos que amam e isso é tudo. Existem peixes que sobrevivem no fundo do oceano. Na mais alta escuridão. Existem pássaros das mais diversas cores. Falo passarinhos, que eram livre e cantavam. Em meio ao caos se amavam. Havia muita gente na rua, muitas vozes, muitas vontades. E eu pensava que eu queria muito que Deus existisse. Eu tinha uma tristeza que doía nos olhos alheios. Eu não sabia precisar de que poço ela tinha vindo, mas o rosto decaia e a vida era assustadoramente cinza. Mas se meus olhos era cinzas, eu tinha uma boca com dentes e sorria. Sorrindo eu era feliz sem saber e meus pares se agraciavam da minha presença. Eu estou envelhecendo, como um bonsai antigo. As raízes são curtas porque cortadas, mas pelo caule se percebe a espessura dos anos. Sou uma senhora e suas memórias. Uma vez virei um papagaio e me prenderam em uma gaiola. Era uma gaiola grande, com muitos outros passarinhos. Eu chorava minha liberdade com grandes gritos. Mas nada adiantava. Então me silenciei. Estar preso era como ter uma faca cravada no coração. No entanto, nesses dias difíceis, muito me encantei com os outros passarinhos da gaiola: o bem te vi, o pardal, o pássaro preto, a arara, o beija flor, o quero quero. Um dia abrimos um furo na gaiola e fugimos. Hoje somos livres. E cantamos a vida.

OMonalisaO
Enviado por OMonalisaO em 19/02/2020
Reeditado em 19/02/2020
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