Eu nasci hoje
Hoje eu acordei sem amor
Acordei despida de mim
Nenhum traço de saudade
Nenhum onda, nem maresia
Os meus pés não pisaram a areia
Nem minha memória encontrou o mar
Nasci hoje assim sem lembranças
Como quem vê o mundo
E o vê pela primeira vez
As árvores me parecem estranhamente belas
E os pássaros figuras voadoras muito encantadoras
Olhei o sol e seu brilho me pareceu algo pra lá de surpreendente
Tudo novo, tão novo
Que susto levei ao observar minhas mãos
Reparei que era feita de dedos
E entre eles havia pequenas ruguinhas
Havia também pés, pernas
E pasmem, no espelho havia um rosto
Suavemente apreciei aquela esfera redonda
Composta por olhos, nariz e boca
Que lindo meus olhos
Eram castanhos e reluziam
Logos percebi que eram eles que me faziam enxergar
E bendice aos céus esses semi círculos
Que me faziam ver toda criação
Perguntei-lhe: Será Deus?
Esses olhos que cintilam
Dentro deles cabem o sol
Cabem as árvores
Cabem os pássaros
Cabe aquela pessoa que passa distante
Senti-me nascida naquele instante
Mas lembrei que sou mais antiga
Antes dos meus olhos nasceu minha memória
E lembrei daquele amor antigo
Que já não fala mais comigo
Oh quão ternos sentimentos lhe dediquei
Como meus olhos se perderam nós seus
O que eu queria era que os meus ouvidos
Ouvissem as suas canções
Que meu nariz sentissem o seu olfato
Queria que nosso sonho fosse um
Eu adormeço e nasço novamente
Mas esse amor antigo permanece
Oh meu amor
Tu que me esqueces lentamente
Dá-me também a fórmula do bem esquecer
Que não a tomarei
Que me nego a esquecer seus olhos de verde mar
A pena tenta escrever sobre a relva
Tenta escrever sobre qualquer assunto que seja
Mas minha pena está viciada nós seus olhos
Sozinha se põe a escrever os traços
Das raízes de suas árvores tão profundas
Amar-te-ei a distância para não macular sua beleza
Hoje estou mortalmente ferida pelas palavras
Nascida deveras pela nova manifestação da realidade das coisas
Ancorada no seu amor que nutro em sonhos
Que nutro em poesia
Poesia.