É mas não É
Estou sozinha como um barco à deriva em alto mar levado pelas ondas em direção incerta sem vontade de chegar. Na direção exata de quem quer morar na amplitude das águas e virar peixe salgado na lira das miragens. Sou a única árvore do deserto que nasceu não se sabe porque, mas que cuja raiz se aprofundou mais longe que sua própria estatura e encontrou água onde nem mesmo a água se sabia existente. Permaneço ali como única sobrevivente em meio à areia. Sou a última espécie de um animal entrado em extinção envelhecendo e anunciando a cada ano sua não existência, seu desaparecimento por completo do planeta terra. Sou a solidão do bebê quando nasce, do frio que sente quando sai do útero da mãe. Sou o morador de rua sozinho à noite sem teto e sem alento. Sou eu no meu quarto escura companhada de minhas incertezas. Sou a solidão. Sou o alheamento. Sou a noite. Sou a madrugada. Sou o amanhecer. Sou os primeiros brilhos do sol. Sou o café forte que faço. Um cigarro que fumo. E tudo me parece certo como aquela folha que a formiga carrega. Sento próximo à janela contemplo as árvores e não há solidão. Há um dia bom. Um dia comum. As pessoas trabalham. Eu faço pequenas ocupações em casa. Faço um desenho. Escrevo. O barco a deriva foi resgatado e tudo segue seu rumo. No jornal encontraram o cachorrinho perdido. O dono ficou muito feliz. A alma está leve. Até segunda ordem. Tudo é questão de perspectiva. De olhar. Hoje caiu uma flor nos meus olhos. E te amo um pouco mais.