Sem beijo
Ele chegou ardiloso. Elogiou o vestido de chita, seu jeito de andar, falou do seu carisma, falou até de amor, com outras palavras, mas falou. Em tantos anos nunca foi tão carinhoso, parecia um homem apaixonado, diante daquela mulher que lhe despertava tão nobres sentimentos. Ela surpreendida sorria um sorriso de anos, e com espontaneidade falava extrovertida esquecida de sua habitual timidez. Quis retribuir as palavras afetuosas que a muitos anos já demonstrava em atitudes. Previu o enlace previsível de um beijo, quando então veio a sentença. Ele sugeriu que fossem a partir de então apenas amigos. Queria que ela frequentasse sua casa e fosse como uma mãe para seus filhos. Sem beijos, seriam super amigos. Seria assim uma relação maravilhosa. Ela murchou como murcha uma flor quando termina seu ciclo. Para ele era fácil como somar dois e dois. Anos de sonhos viravam uma simples equação em um picar de olhos. Mas ela não era dada ao convencional das palavras. Era mortalmente ferida pela sinceridade. Falou que poderia ser amiga das crianças, mas o que faria com o sentimento que há anos nutria? Ele tentou uma explicação racional para seu plano maquiavélico. Via que perdia uma babá de luxo. Ela foi mais longe e esbravejou com voz suave que ele nunca a quis como parceira em tantos anos. Ele se fez de ofendido. Disse que rótulos não definia nada. Ela disse que ele tinha razão. Ele disse que ela tinha razão. Ninguém tinha razão. Despediram-se. Sem beijo.