Sarau de palavras

   Todas as pessoas que moravam naquela rua tinham que saber o significado das coisas, de tudo, da vida.
   Nem todas, porém,  tinham esse poder, mas, por outro lado, a grande maioria gostava de ler. E lia muito.
   Para muita gente, principalmente visitantes, o nome daquela rua agradava a gregos e troianos. E era também motivo de especulação. Afinal de contas, como é que uma rua seria denominada Dicionário? Por quê?
   E mais: como acreditar que alguém moraria numa casa sem número? Se existia a rua, a residência teria que ter um elemento que a identificasse. Como as cartas, as encomendas chegariam lá, numa rua chamada Dicionário!? Para muitos,  tudo não passava de mera brincadeira. E era mesmo o que parecia.
  Até agora, ou até aí, duvidar é preciso, possível. Mas, para baratinar cabeças pensantes, materializemos a rua chamada de Dicionário. Falemos de alguns de seus moradores, especificamente dos habitantes da casa sem número: certamente, seres de carne e osso, humanos como nós.
   O primeiro deles, doutor Luz era quem clareava a ideia dos jovens locais. Dizia a todos que o significado das palavras podia ser encontrado num sósia daquela rua, o dicionário, livro que esclarece, detalha o que significa cada palavra, de A a Z.
   Diante de tantas dúvidas dos moradores, doutor Luz resolveu promover um Sarau de palavras. Como gostava do sábado, marcou para esse dia o encontro que seria aberto a todos, principalmente aos amantes das Letras.
   Dona Ansiedade, uma agitadíssima senhora, de 40 anos de idade, foi a primeira a se inscrever. Ela achava que indo ao sarau sararia seu problema de saúde. Evidentemente, uma coisa, o sarau, não tinha nada a ver com a outra, a saude. Mas deixemos isso de lado.
   Como se não bastasse, a segunda inscrição foi feita por uma jovem, muito bonita por sinal, à exceção de seu nome: Mágoa. Tinha 18 anos.
   O espaço reservado para o Sarau de palavras era pequeno para tantos interessados. Mas isso foi resolvido, imediatamente, pelo dono da casa sem número. O senhor Sabe Tudo, como era chamado, sabia muito bem que o sucesso do sarau dependia dele, dos seus 80 anos de sapiência, tanto que decidiu abrir as portas da sua casa para receber os cidadãos interessados em participar do evento.
   Pasmem os senhores! Chegado o sábado, o evento foi cancelado. Apenas quatro pessoas estavam presentes: doutor Luz, dona Ansiedade, a jovem Mágoa, e o proprietário da residência, o senhor Sabe Tudo.
   O que se ficou sabendo, dias depois, é que o público não chegara ao local porque a casa não tinha número.
   Ao autor resta agora a única esperança de que este texto tenha sido lido, e entendido, simplesmente, como um Sarau de palavras.


 
Chico Legal e fcoalmeida
Enviado por Chico Legal em 09/02/2020
Reeditado em 09/02/2020
Código do texto: T6862170
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