Apenas hoje
Deslize debaixo da porta as correspondências, as mensagens de empatia, as satisfações que desejo ouvir do silêncio. Palavras mudas, a salvação que espreita e me alcança em minha surdez.
Mas, por favor, não tente abrir a fechadura. Não clame por meu nome, não espere uma resposta entre batidas ininterruptas. Eu só quero me privar do que conheço, do que me necessita, do que está a cada dia antecipando muito mais do que posso oferecer.
Se puder, não vá embora, os astros se alinham em posições inéditas, o universo está conspirando contra as horas, as matizes do crepúsculo murcham em tons de sépia, cinza e branco. Eu ainda te amo se queira saber. Porém já é o suficiente. Eu não tenho mais o que falar hoje.
Amanhã irei me perdoar a todas as faces de minha vida. Amanhã serei a melhor versão que nunca pude ser. Amanhã irei te esperar na varanda de casa, e assim que eu te ver cruzando a esquina, eu irei correr pra te abraçar e lhe ajudar a carregar as bolsas. Mas por hoje, me deixe paz.
Eu juro que é apenas por hoje.
Eu quero me lembrar em meu próprio ritmo. Reaprender a andar meus passos. Não ter de justificar a razão a qual a felicidade é um amor passageiro de um verão o qual não me recordo a data, nem a aparência, nem as circunstâncias.
Não faça drama disso, por favor.
Grande coisa, e daí?
Não é questão de tempo. Não é o vazio que ocupa todo o espaço desperdiçado em mim. Não é a exaustão de uma senciência desbotada. É apenas uma vontade súbita, inexplicável e inevitável. Não tenha ideias catastróficas, chega a ser patético quando isso é exagerado.
Será apenas um ontem embaçado.
Um futuro amanhã reservado com as mesmas condições fatídicas de meu individual, confidente e interminável hoje.