Estaca zero
Folha em branco. Espaço no qual me esvazio de mim, mas sempre a preencher novos buracos, repletos de significações recalcadas, obscurecidas. Eu não sei aonde muitas coisas foram parar aqui dentro do que bate. Coisas estas reorientadas pelo meu inconsciente que é incógnita. Eu permaneço nesse estado-sonho acordada. Conflitante sensação do estar viva! Convivo com os fantasmas da sua voz, da sua presença, do seu não-ir desse lugar verdadeiramente. Porque, na realidade, você está. Não negue. Não se julgue um deus para mudar o passado. Largue essa prepotência egoísta que lhe subtrai a própria existência. Se é que você existe. Já não sei mais com quem dialogo.
Você sou eu. Eu sou você. A gente se ultrapassa à medida que nos distanciamos. Isso se trata de alcances. Consegue notar? Eternas invasões desumanas ou bastante humanas – por isso, inteligíveis para a nossa estrutura. Posso lhe afirmar, agora, bem aqui do alto de mim mesma, o trágico desfecho de toda a tentativa de respostas. Entenda, definitivamente, nós somos questões impossíveis de serem desvendadas, ainda que expostas ao mundo vorazmente.
Depois de falhas, de sublimações, de morosas elaborações, o que restou da gente? Afinal, o que restou? Diga-me! Gente defrontada por gente, entre os seus espelhos. Repito: não sei mais. Vou revivendo a cada perda de mim, decorrente de toda a epifania. Eu me renuncio lentamente. Volto a estar nessa folha em branco, pois as palavras não nos bastam.