Éramos estranhos

Ocorrera tudo na mais perfeita sincronia. Como se cada movimento, impulso e necessidade fossem fragmentos de um roteiro o qual nos encontrávamos numa dança ao seu ritmo lento, porém voraz e intenso assim que nos aproximávamos palavra por palavra como melodias nos guiando em nossa cegueira até o fim.

Você contara como em alguns passos impensáveis sua vida se tornou uma fuga repleta com as cores das emoções que lhe pintaram de dentro para fora, de como há alternativas para encontrar um Sol que teria a disposição fidedigna de iluminar dia após dia o universo que se cria infinito e em expansão no além das rachaduras que possui uma alma renascida.

Nada encontrei como retribuição senão o silêncio, fluía timidez em meus pensamentos embaralhados, sobrecarregado meu sangue com a ansiedade que teme que cada segundo será apenas uma memória como uma enorme cicatriz para lembrar a vida ingênua de que não fora capaz de aprender a não ser machucada pela ilusão que reside em seus sonhos.

No longe do centro da cidade, à noite, onze horas e trinta minutos, ecoam estas estatísticas inesquecíveis. Num abrigo onde moravam olhares zelosos, o calor concebia boas-vindas as crianças perdidas, as almas desamparadas que vagavam em busca de algo novo, algo valioso, algo duradouro.

Senti falta da minha mãe, perguntei-me por onde começaria a me procurar meu pai, lamentei o desespero que domina agora a senciência de meu irmão, desejei ter uma despedida mais teatral que o planejado.

Éramos estranhos um para o outro, porém tudo o que tínhamos, tudo o que poderíamos nos prover até que sua deixa anunciasse o frio que romperia a fantasia tecida com a inocência de que o para sempre para sempre duraria no tempo que edificamos, o nosso particular senso de que não existiria nada mais que não pertencesse àquele efêmero momento.

Éramos estranhos...

Na segurança de casa, duas horas da madrugada, um despertar pavloviano. Visão tonta, saliva morna, lágrimas? Declaro-me perdido, singular e desafetado.

Minha maior maldição fora a liberdade concebida por ti. Um presente indesejado assim como perpétuo, fatídico assim como necessário.

O frio se estabeleceu em sua primeira oportunidade, é sempre o mesmo fim tecido sejam lá quais forem as escolhas. Pensei que seria diferente desta vez, pensei que fosse algo fora do ordinário.

Quando se esvaiu sua presença, deixando rastros para assombrar-me com futuras lembranças, soube que este fora o termo de viver os momentâneos minutos onde nada poderia haver além de corpos que encontraram suas próprias soluções em toques compartilhados.

Éramos apenas estranhos.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 11/01/2020
Reeditado em 11/01/2020
Código do texto: T6839210
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