Viva a vida!

Para quê a mesa posta com os talheres e os comes e bebes? Se para aquele que irá se servir, não estiver no ambiente consumindo vida?

Valerá? O conhecimento apurado, a risada montada, o discernimento mapeando a mente do outro, a certeza da bestialidade humana em não se resolver ?

Será suficiente? A taça cheia, os assentos ocupados, as joias tiradas dos cofres, dependuradas pelo corpo da transeunte, se nela não tiver realizada a combustão, regozijo para a vida?

Adiantará? Os músicos, a orquestra, a música sendo executada, se para aquele que está na plateia, não passa de mero arranjo trabalhado, métrica, compasso, ritmo para acontecer aquilo que foi premeditado?

Resolverá? Ter parido filho, engendrado num grande amor, ter se perdido no mundo, amontoado riquezas, guardado-as num banco, chegado ao exaurimento de tanto ter, sabido falar fluentemente as línguas dos povos, perscrutado o conhecimento do mundo, e se enfastiado.

Terá sido suficiente, escrito livro, compendiado saberes, meditado e cantado todos os mantras, criado versos e poemas, reconhecido em si a capacidade de perícia para investigar a verdade das coisas, plantado uma árvore, dado a volta ao mundo, levantado troféu de ser o primeiro, recebido elogio e glória até da mão do desafeto, por reconhecimento de força, eficiência e poder para a ação, e dentro, ausente a gana para estar no instante?

Estado no cume da montanha, viajado pelo espaço sideral, ou no profundo dos mares, visto em tempo real o acontecer da vida, sem vida? Peso morto, folha seca ao chão, ar parado, pneu furado, colcha bordada rasgada, assovio oco, voz sem tom, roupa rasgada, pão embatumado, comida sem tempero, lama, enchente em cidade grande. Caos sem a ordem da visão.

Bendito seja aquele que conquistou o gosto de sentir gosto pela vida. Que ousou olhar para o infinito, tendo o coração tocado, ressoando o longínquo, Deus. Haver sentido junto a legião anônima dos adeptos da vida, da luz, do amor, da fraternidade, o entranhamento do seu ser com a realidade imanente.

Conquistado aquilo que necessitava para a comodidade do instante. Nem bom, nem ruim, nada novo, nada velho, o instante como ele é.

Como o corpo dentro d`água, a vida é sentida pela Alma. O som!!! Comunica. Os sorrisos, de um adiantado em idade e de uma criança, comunicam. A alegria reina!

Vive-se na consciência da orquestra. Impossível sentir-se sozinho mais.

Torna-se estação de rádio. A abundância de vida sobeja dentro e fora.

Beber a bebida...comer a comida...interagir com os iguais, torna pertencimento. Mesmo no estado fúnebre, no desencanto diante da barbárie, grita dentro o infinito.

Amor à vida. Bem em estado de extinção, produto procurado como agulha no palheiro, nas pílulas paliativas, nos divãs e nos consultórios, na pele, na boca, e na energia procurados no outro, na cama, nos relacionamentos, nos filhos, na religião, na filosofia, na interação com a mídia, tecnocracia que expande e limita...no vazio, não sendo suficientes para fechar a conta no ser inteiro.

A palhaçada do quem sou, o que sou, para onde irei, desaparece, perde importância, não passam de estratégia ilusionista da mente para abafar o espanto, o entusiasmo de estar na aventura, vida. Decairão dos seus postos, sobreviverão por algum tempo como levedura que alimentará o preparo do ser para o regozijo do estar em meio ao nada.

A Vida, aqui está!

Olhemos-a, vejamos-a, sintamos-a, apalpemos-a em si mesma.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 09/01/2020
Reeditado em 09/01/2020
Código do texto: T6838131
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