Envelhecência e Indecência
Não sei o que dizer,
nem sei se quero dizer alguma coisa,
tem momentos que as palavras não significam nada,
mas elas pululam como peixinhos no lago,
como células em corpo de criança.
Não, não sou como peixe,
pois nessa água lodosa não consigo nadar
e não posso respirar.
Que eu tivesse guelras,
que tivesse tubos de oxigênio,
nem assim deixaria de sofrer a putrescência
pelo excesso de indecência.
Não, não sou como criança
que a cada dia se refaz,
que se torna outra sem perder a essência.
Claro, já enfrento a envelhecência!
É como uma despedida a cada estação,
é como um drama encenado no porão
que já dá sinal de que a cortina vai descer.
De um modo diferente encarei a infância
E enfrentei a adolescência.
A primeira é recheada de novidades,
do dia que parece durar para sempre,
dos brinquedos que se inventa a cada instante.
Da certeza do dia seguinte,
do futuro e do passado equidistantes.
A segunda é feita dos contraditórios,
do medo de crescer,
da vontade de continuar a ser pequeno,
do sentimento de não ser uma coisa nem outra.
Mas a gente amadurece como uma fruta no pé
de uma chacrinha qualquer.
Não como aquela que passou por transgenia,
Mas como a goiaba de Rubem Alves.
A fruta tem a larva,
a fruta leva bicada dos passarinhos,
a fruta cai no chão e apodrece devagarinho.
No mercado só se escolhe as grandes e coloridas.
Não têm gosto! Mas o que importa?
É vendida por peso,
é comprada para enfeitar a fruteira.
A laranja não tem sumo, nem sabor,
mas a laranjada se faz com água e açúcar.
Melhor adquirir engarrafada
com corante e conservante.
Melhor o ser humano corado e conservado,
pálido já não vende,
envelhecido ninguém compra.
Mas e o gosto?
Se acrescenta com essência e com ácido cítrico.
Aliás, o que importa a natureza?
O que importa a humanidade?
Natural ou artificial:
fica-se com o que tem maior procura.
Qual bicho preservar ou tratar com respeito?
Qual animal descartar, ou assar no espeto?
Qual planta arrancar,
qual árvore cultivar?
O que é melhor para comercializar?
Eis a questão.
Eis o resumo das relações dos homens.
Espeta a pessoa,
acende o fogo que a carne é boa.
Arranca daí esse cristão,
dá um fim nesse cidadão.
Aberio Christe