ORAÇÃO DA CONSCIÊNCIA LÚCIDA
Ó consciência minha, dileta conselheira, livrai-me das certezas absolutas nas quais tantos baseiam suas vidas e dessa forma as desperdiçam fatalmente.
Ó amiga de todas as horas, não me deixe jamais ser refém do dito “senso comum" e me ver transformado inadvertidamente naquilo que um dia combati.
Ó companheira inseparável, afasta da minha confusa cachola a idéia de que sou inteligente a ponto de me intitular como tal, e por fim me expor ao ridículo maior que é a auto-indulgência.
Ó irmã invisível, me forneça sempre o bom-senso pra perceber que nem tudo que penso, falo ou faço é digno de aprovação ou sequer uma mínima menção .
Ó juíza implacável, guia-me sempre pelo caminho da dúvida que me conduz à resposta, e nunca no seu oposto.
Ó corretora interna, nunca permita que esse coió aqui saía por aí propagando bondade, honestidade e outras virtudes que nem um político em comício na periferia.
Ó sábia censora, faça-me contrair Parkinson antes de me tornar um escravo das malditas selfies como uma adolescente carente e assanhada.
Ó professora incansável, faça minha língua cair quando me der aquele impulso voraz de encher a boca pra expelir as duas maiores mentiras que existem: “Sou uma pessoa livre" e “Tenho total controle da minha vida".
Ó queridíssima dama, plante em mim sempre o discernimento do que é ser “intenso” e do que é ser um estúpido sem educação.
Ó ponderada mãe, me faça cair duro no chão se perceber que estou me esforçando pra agradar a todos e ganhar o troféu Mediocridade Nível Master.
Ó paciente voz interna, impeça-me sempre de reclamar de um bom serviço mostrado e chorar de barriga cheia como uma criança mimada.
E pra encerrar, querida consciência, extirpe de mim todo e qualquer impulso de atribuir a mim mesmo o adjetivo “artista” ou “poeta”, pois disso o mundo já está cheio e não quero me perder em tal turba de pavões.
Amém!