A ILHA

Daqui até o longe se avista o rio, ele serpenteia manso e brilha suas poças rasas à luz do dia tanto como no escuro sob a luz lua tine suas escamas.

A ilha pode ser vista quando se está no alto daquela colina, mesmo entre brumas a ilha no rio se avista quando no alto dessa colina a gente espia.

Mas o rio só conduz, nada cria. Não é anterior à ilha embora seja ela terra circundada pelo rio tardio. Naquela altura da curva do rio existe tal ilha, pedra singular enorme sobreposta equilibra-se sobre uma infinidade de pedras menores todas sustentadas pela força da água do rio.

Na ilha cresce o verde bruto virgem que se vê de mais perto e no centro uma só grande árvore aparece como se por mágica entre as brumas de dezembro à maio com seus troncos retorcidos inigualáveis erguendo-se até as nuvens. Toda a paisagem é linda, mas algo não se nota, o fim da copa daquela árvore magnífica, dizem, dá em outra margem que é desconhecida. Seria a margem da margem do rio considerando-se o céu como limite. A magia desse lugar, desde o estar no alto da colina e o entrever a ilha pelas fretas da bruma e nela a árvore majestosa, está, como se dizia, a magia de não sabermos o que de fato é ou onde dá de dezembro a maio a copa esguia cujo brilho chega-nos doer a vista. Se, como diz a lenda, por essa árvore da vida trafegam elfos é incógnita para ciência oculta de feiticeiras e fadas. O certo é que os aflitos por aqui foragidos passam homem algum se atreveu subir tão alto para confirmar o que os antigos diziam aos antepassados meus: que muitas criaturas aladas descem ao rio pra refestelar banhando-se no brilho da lua refletido e repor na terra com seu suor o sabor do sal que dela os homens maus exploram destruindo.

O mistério aqui recontado sempre aceito nas rodas de prosa

repete o feito dos seres alados que deixam suas asas

na copa entre as nuvens para caminhar nas margens do rio,

circundando, dançando, refazendo a ilha - esse encanto que poucos afirmaram ter visto e permanece em mim na forma de sede sem fim.

Do que se fia do que aqui se conta, e nisso tenho fé, o certo

é que alguns desses entes singulares desistiam de retomar seu caminho e resolveram ficar entre os homens para gerar entre suas filhas austeros guardiões da árvore da vida na ilha.

Outro dia, quando a bruma anunciava a densidade de um cataclismo à beira das raízes profundas o possível encontro da margem conhecida da outra nunca imaginada, deu-se em mim um saber incompreensível, um tipo de augúrio encoberto, mensagem fugidia, e semelhante desconhecido me senti. Aguardei aqui no alto da colina e vigiei até a beira da insanidade até que a vista embaralhada de cansaço

denunciasse de uma vez por todas a forma de um corpo transfigurado que das camadas mais altas da atmosfera descia da árvore da vida em lépida descida.

Desci para o rio, atolei os pés na lama, aguá até a cintura, mergulhei em direção à ilha, ao meio do caminho, sem ver as margens terra ou do rio, desisti dos sentidos e deixei levar-me pela corrente leve que parecia saber o derradeiro dos limites. Quando acordei, estendia-me a mão um ser bem vestido de luz alto, esguio e imponentemente, curvado sobre mim sorria. Sem saber o que se passara enquanto tinha dormido, descobri em seus gestos uma pergunta: eu queria descontinuar ou permanecer?

Num lampejo de clara evidência, não respondi de pronto, mas aceitei das mãos translúcidas uma folha dourada trazida do alto da árvore que tinha a forma impressiva de um coração, ou a forma de língua de fogo branco, não sei vos dizer, sei que juntos, uma mão sobre a outra, aproximamos da minha boca a iguaria que cobriu meus lábios queimando-os sem queimar enquanto eu sorvia um rio invisível para dentro de mim. Porque recusei conhecer o lugar do mistério no alto da copa da árvore da vida e o fim dos seus limites não posso afirmar, se por medo ou insegurança não sei, intuo que o medo me dizia NÃO BASTA e a segurança afirmava AINDA RESTA.

Depois disso retornei para o alto dessa colina de onde minhas palavras brotam sem traduzir a língua desconhecida em que o ser de luz se despedindo me disse: poetas guardam mais

quando exprimem.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 25/12/2019
Código do texto: T6826489
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