A felicidade

A Felicidade sempre morou nas Caraúbas. Essa sua escolha fora feita bem antes dela desabrochar os primeiros sorrisos amarelos, como das flores das Caraubeiras. Sua decisão fora tomada por causa da estrada, pois de tempos em tempos ela se amarelava de flores. Assim, a doce estrada que conduzia à morada da Felicidade revelava para os olhos experientes em desimportâncias a motivação dela para morar naquela região tão colada com a Precisão. Na beirada da estrada habitavam árvores do Antigamente, que todos conheciam por Caraubeiras. Dizem que as coisas mais bonitas moram dentro das coisas mais feias ou que as coisas bonitas fazem caminhos por dentro das coisas feias.

Então, no início do inverno (mas a prega de tempo pros sertanejos), a Caraúbas se desvestiam de suas folhas e se enfeitavam de amarelo. Aquele gesto de fascinação lembrava à Felicidade de sua distância do presente e de seu pertencimento as árvores, ou seja, ao lugar enfeitado de flores. Mas que curioso era no dia a dia, o atravessamento da riqueza das flores no sorriso da Felicidade pelas precisões da sua cozinha. Na falta do que colocar na boca, a Felicidade vestia os dentes de flores amarelas.

E este mistério se realizava assim: quando não tinha o que comer, a Felicidade saía de dentro da cozinha e se punha no terreiro olhando as Caraúbas floridas. Então os seus olhos alimentavam os sorrisos daquelas flores, nutrindo-o de amarelo. Gente que não entendia essas coisas dizia que os dentes dela estavam apodrecidos ou amarelando por falta de trato. Porém, ela sabia a verdade, e tinha gente nas Caraúbas que viam o mistério se realizar. Toda vez que a Felicidade sorria, podia-se jurar que ao invés de dentes se viam flores de Caraúbas.

E, certamente que outra explicação não poderia completar aquele mistério: a Felicidade se pertencia aos caminhos das Caraúbas. E quem sabe ela mesma fosse uma Caraubeira disfarçada de gente… há quem diga que existem pessoas que desejam ou mesmo se tornam árvores. Porém nada impede que existam árvores que desejem ser pessoas ou mesmo que algumas delas realizem esse desejo se vestindo de gente. Em tudo se trata de viver estórias.