Minha transvaloração de todas as coisas

Divagando sobre os segredos da psique descobri, numa inundação de energia, a fonte de onde jorra as cores do espírito, o mais antigo poço de onde todos os nossos antepassados tiraram a nossa boa e velha vida - encontrei a fonte da crença, o botão de transfiguração da subjetividade. Agora sou capaz de levar ao "pé-da-letra" tudo que eu quiser. Tornei-me criança. Sou capaz de inverter perspectivas e senti-las com a mesma intensidade - o que é um tanto perigoso, pois há um excedente de energia que pulsa aqui que pode multiplicar-se dependendo da interpretação; e como não sou dono de mim mesmo, trago o passado coletivo e individual da humanidade comigo, ambos vivem e crescem em mim - basta um nada para perder o controle. Assim, não tenho o luxo de ser negligente, deixar a vida me levar - a indolência me destruiria. Devo ser cauteloso com minhas ficções heurísticas...

Sou eu quem autoriza o pensamento que vai transfigurar o mundo; acontece que o caráter é só uma parcela do "eu", a essência é tão múltipla quanto os rostos que ela veste.

- "Mas como o senhor Fiodor chegou a isso?"

Para esclarecer o que quero dizer, imagine que alguém lhe afirme a seguinte sentença "a Terra gira em torno do sol", mas você acredita que o sol gira em torno da Terra. Você ainda não é capaz de suportar o peso das palavras, é incapaz de reconhecer a verdade nelas. Então, um dia, depois de muito pensar sobre o assunto, eis que a mesma sentença aparece com um peso tremendo, você percebe a verdade nelas. Seu mundo se transfigura.

Nunca lhes aconteceu algo do tipo? Nunca leram algo que só depois de muito foi que perceberam o peso do que foi lido?

O que aconteceu?

Exteriormente o mundo é o mesmo de sempre - mas opa! - algo "mundou" interiormente - "a Terra gira em torno do sol", e isso muda completamente a visão de si e do mundo.

Duas interpretação combatiam pela interpretação do mundo, você teve de se convencer através de um cansativo monólogo até decidir - note: 'decidir' - no que acreditar. Uma força venceu a outra. Um mundo se impôs a outro. Somos uma guerra interior. Há em nós muitas auroras que ainda não brilharam, e que lutam para nascer, isto é, batalham pela luz da consciência.

Não acreditamos que o sol está parado e a Terra gira ao seu redor porque experimentamos; somos nós que autorizamos esse conhecimento. Por mais que ele seja um fato, não é para isso que estou apontando. Sejamos cientificos, mas a alma é assunto para poetas e crianças.

Outro exemplo: se alguém lhe prega uma brincadeira sem graça, dizendo que alguém que você ama faleceu, aquilo te pega na hora, mas olhe, a pessoa está bem viva. O que acontece dentro de você? Acontece alguma coisa? Como uma mentira pode ter se tornado verdade? Quando e como isso acontece? Isto não é uma pergunta retórica, a resposta exige a sua observação. Pouco me importa argumentos!

Quanto mais envolvido estiver na questão - e se crê nela - maior a intensidade da revelação, maior o peso das palavras.

Depois de muito observar e vivenciar esse erros psicológicos, em vez de me tornar cético, cauteloso e prudente com ilusões, isto é, ser científico, reagir apenas aos fatos, decidi investigar o que ocorre à mente quando acredita, por que ela acredita. Se alguém me dissesse "torno em sol Terra gira", eu não compreenderia sem um esforço de reflexão. Aos poucos fui sendo guiado por um caminho desconhecido que me levou ao jogo da linguagem, e uma profunda desconfiança quanto à realidade das palavras. Toda verdade pronunciada está em relação com a linguagem, mas as palavras não são nada isoladas, são meros sons, vibrações, e juntas formam apenas um simbolismo, uma verdade subjetiva. Isso me levou para dentro de mim mesmo, para o ponto onde acontece a transfiguração, uma vez que as palavras já não designavam nada para mim senão termos de relações entre as "coisas".

Mas o que isso significa?

Ah, meu amigo desconhecido, isso me pegou em cheio! Eu estava pronto para reconhecer a sentença "as palavras não são as coisas". Tudo que se pode dizer sobre a realidade perdeu o sentido para mim. "Passado, presente e futuro; ontem, hoje e amanhã, etc..." tudo perdeu o sentido, vibrei como quem acabou de despertar num manicômio. O peso desse saber estremeceu as bases do meu ser e o mundo se transfigurou. Por um tempo que me pareceu imensurável permaneci numa abstração maravilhosa de cores e formas inanimadas, mergulhadas num espaço de silêncio medonho. Meus pensamentos surgiam e desapareciam num turbilhão de sensações e imagens. Tudo quanto vinha à consciência instantaneamente ganhava cor, revelo, forma, mudando o aspecto da realidade de acordo com os sentimentos que inspiravam. Era impossível saber o que era ou o que não era, eu me esquecia a todo momento, o mundo estava em devir, o espírito era um movimento constante.

Mas como tudo que sobe desce, a intensidade diminuiu para minha felicidade, pois não poderia viver naquele êxtase. Restou apenas a qualidade daquela experiência que ainda permanece comigo - a consciência da relatividade do saber, das perspectivas, da delimitação dos sentidos.

Assim como um dia acreditei na realidade das palavras, assim desacreditei nelas. Achei a força da crença na descrença, operei uma transvolaração de todas as coisas. - O mundo Eu Sou!

Obs p/ ateus: tiramos a água de nossa descrença do mesmo poço que os cristãos. Sejamos sinceros até esse ponto...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 11/12/2019
Reeditado em 12/11/2022
Código do texto: T6816274
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