Resposta padrão
É deveras ultrajante
ser uma metáfora ululante
de si próprio.
— Quem dera fosse um autêntico
de Orleans e Bragança.
Ter a realeza no currículo
certamente pouparia
uma coleção de infortúnios.
Livraria da febre,
do casebre super populoso,
do acintoso tratamento diário.
Poria fim às privações,
rebocos e remendos
desse puxadinho
malacabado do viver.
Mas veja,
era gente de se esquecer
jogada num quarto qualquer
de uma qualquer periferia.
Vestia as roupas do cansaço
ao despertar de mais um dia,
justo aquele em que se via
morrente.
A torneira da pia em torrente
na dureza fria da água
de lavar o rosto dizia
o mesmo velho chiado.
Ferrugem na boca,
era o retrogosto da noite.
Foi-se a paz do sono,
hiato dos tormentos,
quando sobreveio
senão um quinhão,
mas quinhentos temores
a escalar o juízo.
— Não sei.
Usa-se como resposta padrão.
Se o problema não se resolve,
é bom mudar de tema,
embebedá-lo com o fel
da dúvida, que também
é dádiva paralisante.
Vamos adiante.
Com a janela aberta
e os lençóis estendidos,
hei de ouvir mais e melhor
os bemóis das sirenes,
ambulâncias e os gritos
de socorro.
Um cachorro uiva de fome.
O gato foge de casa e some.
Um homem dorme na calçada
enquanto outro, em traje social,
vai ao trabalho mal remunerado.
Malfadado destino,
hino de todos os enfadados.
Acabaram-se os remédios
e os primeiros socorros
emocionais.
Aos tais doutores
da medicina avançada
saibam: foi lançada
a provocação.
A cura vem da cabeça
ou do coração?
— Não sei.
Usa-se como resposta padrão.
Dá-me aqui um anestésico,
por favor.
Desta feita, creio
na exatidão profética
e na estética de conformidade
que elegi para meu próprio bem.
Que assim seja, amém.
O terço da calma
que era minha,
fiz a caridade de doar.
Sobrou foi quase nada
de temperança.
Poderia apostar
na mudança do mote,
mas não quero que mude,
quero mais é que ele capote,
role ribanceira abaixo,
exploda!
Pobrezinho.
Será que ele vai sobreviver?
— Não sei
Usa-se como resposta padrão.