A Beleza
Somos as coisas que florescem no outro. Tive essa ideia enquanto amava uma roseira. Ela florescia naquela terra úmida e forte, roubando todos os olhares para si. Era verdade que sua Beleza merecia destaque em relação a feiura daquela terra, mas somente para os olhos rasos. Na verdade, a terra que entregara sua substância para a roseira prosperar, era realmente a fonte daquela Beleza. Jamais a roseira floresceria sem sua força, sem que a terra fosse seu alimento... a terra é, portanto, a Beleza bruta e a roseira lhe tornava suave através da delicadeza das suas pétalas.
A Beleza precisa de meios para ser inteligível aos olhares humanos, pois os homens fragmentados se especializaram em ver apenas as coisas mais aparentes, desprezando o profundo, o mistério – que é bruto e assustador em sua versão original.
Certa vez, quando criança, conheci uma mulher que tinha o nome de Beleza. Ela caminhava nesta pequena cidade, pelas ruas de terra e no mercado, com uma bacia de colorau na cabeça. O colorau é uma coisa muito bonita. Ele colore as linhas invisíveis do alimento, criando outros sabores e, assim novas histórias para a comida. Muita gente gosta do colorau por causa da cor e da realidade que cria na refeição.
Mas poucos sabem que o colorau nasce do suor e dos calos daqueles que pilam a semente do urucum com a farinha de mandioca. O colorau floresce do esforço de uma gente que mantém viva um fragmento do Antigamente. Essa tentativa desaparece aos poucos; foi assim que senti quando a Beleza morreu e ninguém mais surgiu com uma bacia de colorau na cabeça, oferecendo-o como pretexto para contar muitas histórias sobre um tempo bonito que insiste em não desabrochar nos novos.
A Beleza floresce mais bonita no outro, quando resgatamos essa sensibilidade que permite penetrar na superfície e viajar até o mais profundo, que é de onde transborda a mística que conquista o olhar. Transbordando numa roseira ou no colorau, que se tornam meios graciosos para aparecer, a Beleza impressiona nossos sentidos. Porém, como nos ensinou um homem que queria ser árvore, é preciso caminhar contra o caminho deste tempo, ou seja, em direção àquilo que vem primeiro, que ainda não chegou a ser belo como vemos pelos “olhos tecnocegos”. E assim quando se volta ao primitivo, se deixa de sofrer os desencontros do mundo e se alcança o poético e o mítico, no seu estado original.