Soltou pipa da vida a favor do vento.
Os sentimentos se sustentavam na rabiola...
Enquanto ele via passar pela fechadura da porta de madeira, as imagens do tempo, agora trancadas por chaves.
Entoou uma canção de amor antiga, com frases repetidamente ditadas pela radiola que comprou com seu primeiro mil réis: Valdick Soriano chamando o garçom para dizer da dama de vermelho, enquanto ele procura no espelho, a própria imagem de si.
Algodão doce enrolado no palito de picolé velho, encontrado no chão, em companhia das inúmeras migalhas de pão, dadas ao passarinho que vê, do outro lado da janela de vidro, agora isolada por um cadeado, enquanto o açúcar escorre entre os dedos: a pressa da infância voltou em tempo.
Na casa fria a solidão faz companhia, desde que sua memória se apagou por causa da multiplicidade dos fenômenos neurológicos.
A idade sequestrou dele as lembranças, só tinha a certeza de que dele descendeu uma prole e o choro ouvia.
Doces espalhados pela casa, em cada canto, na esperança de feito armadilha, capturar os filhos que agora vê como pais. Na ótica da vida os ciclos se sobrepõem.
Na cadeira de balanço, há calmaria! Ao menos enquanto a luz do dia deixa-o ver as imagens microscópicas feito lente de fotografia de circo.
A noite bate a porta e com ela a esperança:
- Que bom que você chegou Mamãe!
A filha, com livros na mão, traz de presente a história que seria partilhads numa tigela de mingau de fubá doce com amido de milho e canela.
Escovou os dentes, puxou o cobertor de pelos, deitou no sofá e recostado sobre o ombro da filha (que chegou feito mãe), rezou:
- Ave-Maria cheia de graça... E adormeceu.
A filha carregando-o, com seus 48 quilos de amor, agora sentia em seu ventre a força do tempo replicada da forma mais sútil.
Então o colocou na cama, o cobriu e sorriu!
*Homenagem à todos os idosos que sofrem com doenças neurológicas na velhice. É fictício.