Jesiel sem atrasos

Tudo veio da poesia e tudo volta a poesia num ciclo de beleza e dor pois as coisas belas e maravilhosas enquanto duram são registros de si mesmas. Apenas quando são destroçadas é que se transformam em poesia novamente. Só a poesia das coisas mortas pode trazer nova vida. No firmamento está esculpida a imaculada poesia das estrelas mortas, e não somos todos estrelas mortas? ainda emitindo um brilho que acreditamos ser vida porém presos em escuridão e desolamento, condenados a solidão da própria luz, do próprio canto, perecendo sem notar e transformando esperança em angústia.

Os ângulos não euclidianos da alma, um labirinto indecifrável de amarguras, de trevas e de beleza sem fim. Uma jornada dentro do ser e completamente vazia por si só. Não são vultos ou sombras, nem reflexos ou reflexões. São o que são. Fins disfarçados em meios e começos imperceptíveis, música aterradora, ratos gigantes escondidos nos arbustos das praças, dentes grandes e fortes em olhos vazios e cinzentos.

Streetwise na selva, em tudo eu vejo poesia e em nada encontro seu propósito, um safári de animais empalhados. Taxidermia automática, nascimento embebido em clorofórmio. Sumos, sucos e chouriços, vermes brotando dos ferimentos cobertos em pele curtida, em pleno pelo.

Uma janela, multicolorida enlaçada e demarcada como saída. As canções que formaram o cosmos falavam de solidão, e isso ainda não mudou. Se Deus existe e é um poeta, como não sentir pena de Deus? como não entender o ódio que sente por sua criação? Já que ela é a lembrança e motivo de seu isolamento. Quem não desejaria criar a sua vontade companhia? Como a companhia criada iria correspoder ao amor sendo condenada a existir? Ódio e beleza. Amor e injúria. As palavras dos testamentos podem ser falsas mas falam de verdades absolutas.

"Que petulância de alma tão pequena e de espírito tão nefasto, falar das estrelas, do cosmos ou mesmo do rato.

E que tamanho desperdício.

Tomaste da água da tristeza

e como sabes a tristeza é um vício.

É tanto orgulho que cultivas a ti mesmo desprezo.

Pra um incapaz de gratidão não faltam pretextos para não tê-la

Diz amar a liberdade mas anseia mesmo ser preso.

Eu que te fiz a minha imagem e semelhança

Ainda assim profere tanta ignorância

Nessas tuas aflições de criança"

Então finalmente me respondes senhor? Quebraste o silêncio covarde, realmente acreditei em tua morte ô grande vendedor de mundos, mas diga-me, irritei-te tanto com verdades há muito e por muitas bocas proferida? Ou serei eu parte de sua prole preferida?

"Sua pequenez jamais em mim abriria ferida

e sabes perfeitamente que agora alucina,

numa mente em nevoeiro enturpecida."

Talvez já saibas meu nome, não custa repetir, sou Jesiel sem atrasos, um pensador improvável sem tempo para despedidas, na alma a ferida escondida por rosto sorridente, agressor incompetente de agressão consciente. embora de fato prepotente não vejo porque alucinaria com rival tão onipotente. Não se esconda atrás de artifícios da mente, apesar do corpo dormente meu espírito continua consciente.

"Percebes que muda a forma de falar

para a mim se assemelhar?

por quem pretende se passar?"

Achei que eu fosse tua semelhança

"Há limites nessa dança"

Então negas minha herança?

"Jesiel, não tens direito a tal cobrança".

Eu sei que é clichê mas nunca escolhi ser, existir ou nascer então por quê? Não posso aspirar a ser você? Quer me poupar? Quando me fizeste existir já me condenou a sofrer.

"Mas fostes tu, e todos os teus irmãos

que plantaram com as próprias mãos.

Transformando responsabilidade em dívida.

dívida em dúvida.

E nos próprios erros me impõe pendência adquirida.

Não me forces tua culpa"

O senhor é um mal pagador, sabes muito bem, cobras juros abusivos e pagas delítos com mais delítos.

Etna, Krakatoa, Visúvio

e o que dizer do tal dilúvio?

"A não, de novo o dilúvio?"

Será esse o motivo de teu eflúvio?

"Que língua mais afiada"

Foi tu que a fez amolada

"Vê no que é benção desafio"

Soa quase um elogio

"Atitude infantil, choro vazio"

Que também é de seu feitio.

Uma criança brincando de ser criança.

Eu imito a infantilidade de meu pai.

"Trata o proprietário como mero convidado"

Mas é você o invasor, independente do que tenha fabricado

Já que o que fez, deu de bom grado.

"Eu fui tomado, roubado"

Pelas formigas que havia criado?

Não sabes que mentir é pecado?

"A mim não cabe esse fardo"

Criador de palavras de poemas abençoados, fardo é uma palavra que inventastes para que os outros carreguem por ti?

Resolveu nos punir com sua ausência

E emudeceu a despeito de tanta eloquência.

Enlouqueceu ao ver nossa resistência.

o mundo não deixou de girar

"por minha misericórdia em não ordenar"

Que jeito interessante de negociar

"Não é prudente me desafiar"

E como poderia?

Se quando contrariado desapareceria?

"Você não entenderia,

Eu onisciente em minha sabedoria

Observo já sabendo o resultado"

Isso não te deixa entediado?

Achei que havia sido roubado mas sabendo que seria então não fostes.

"Entreguei de mal grado, e de certa forma, sim me foi tirado.

Não que eu tenha sido destronado

já que é meu o todo e não só legado

e sobre minha ausência, eu me mantenho atarefado"

Criando mais escravos? Artífice de grilhões.

ouves de todas tuas hordas as adorações?

"Me contento com as lamentações.

E apesar de tuas alterações,

e de todas as tuas falsas alegações

guardo tuas suplicas Jesiel entre minhas recordações.

Engole em seco e agora vejo

que te escapa das palavras o manejo"

Não sou menestrel nem ao menos orador

"E o que ocorreu com todo aquele ardor?

Falando dos vermes na carne a decompor"

Exaltando a poesia que existe na dor

"E ao mesmo tempo tentando diminuir seu compositor.

E se empalidece quando eu me apresento

Orquestrando do fim ao firmamento

e ouvindo injúrias e tormento

de ti pequeno elemento."

E onde estavas quanto Nietzsche alegou tua morte?

Ou quando Russell disse que tu não eras forte?

ou Lenoir que te atribuiu a pura sorte?

"Queres saber o que te diferencia?"

isso muito me agradaria

"Seja Marco Aurélio, Truffaut ou qualquer um da eucaristia.

Sois todos versos mau escritos de minha poesia"

Então não passamos de mero experimento abandonado na prateleira?

De livro esperando ser lido por sobre a cabeceira?

"És tão menos e ao mesmo tempo muito mais"

Tem o dom senhor de não dizer nada em tons melodiais

Pois nessa troca de insultos banais

Nesse quarto onde surges e minha sensatez jaz.

Te invoquei buscando conflito e não paz.

E me pergunto por que dessa vez me ouve enquanto as outras eclipsar-lhe-às.

Minhas palavras são de perfídia e desdém

Mas há tantos outros que te pedem bem

e ainda assim é a mim que vem

com tanta apetência que tantos tem

"E sua desnutrição de alma? devia ignorar também?"

Alimento para o espírito nunca matou a fome de ninguém.

"e aqui me encontro porém"

Mesmo que eu por muito tempo reflita

não consigo imaginar motivo de sua visita.

"Tentas encontrar motivações em minhas ações

Mas sabes que a chuva não precipta e que a terra não gira sem que eu permita

Quem és tu para questionar minha escrita?

Ou entender minha palavra dita?

Eu sei Jesiel o que ou não te capacita.

É verdade que seus irmãos sofrem de fome e pestes

mas sobre isso o que fizeste?"

Quer dizer que a herança não me compete mas as obrigações sim?

senhor, chega de rodeios, o que queres de mim?

"sois escritor certo?"

Não mas cheguei perto

"corta já essa imitação inseto,

a poesia a mim pertence, esse é meu decreto"

Então rei de todo, a terra sendo um pedaço de pão e nós humanos sendo desse o bolor, então tu és o rei de todo o bolor, bolor supremo de putrefato e mal cheiro e coisas pequenas e indescritíveis de cores inojantes, de símbolos malignos de palavras venenosas. Rei do sono que me aparece na noite pois ela a ama mais que os filhos, pai que me abandonou ou que pior me largou escada abaixo e assistiu os degraus triturarem meus ossos de bebê, que contempla o infanticídio e o assassinato de irmãos. Jeová escuta seu filho Jesiel falar com a própria voz e amaldiçoar teu nome, tua fama e tua Glória.

Engole e sufoca com tua herança pois então abdico da poesia e cuspo nas suas regras, suas métricas e Rimas e rodeios . Abraço então o que sou como te intentas, em minha rebeldia me torno o que quer que eu seja.

Supremo que fez a terra chorar todos os outros deuses e fez sangrar seus apóstolos, semeador de ventos diga o que quer de mim ou parte de uma vez.

(Silêncio)

Gabriell Araujo
Enviado por Gabriell Araujo em 05/12/2019
Reeditado em 05/12/2019
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