Devir
Enquanto esqueço-me na contemplação estético do mundo, ouvindo os estalos de panelas na cozinha, de onde vem a ser o cheiro de comida que minha mãe, em plena floração, cozinha a carne do boi que tornou-se cozido, vou desaguando no Rio da Vida em direção ao Mar. De onde surge essa sinfonia?
Estou morrendo - ah, e como é belo morrer! Vem, venha, toma-me de assalto, de bom grado vou pelo espaço, dançando ao som do vir-a-ser.
Sim, Heráclito bem observou - é justo o perecer! Oh, vida! Oh, Devir-Ser!
Se penso em ti o horror em mim toma conta; se escuto, se apenas intuo vossos passos dançantes, a vida se me torna um ditirambo.
Desagua mundo antigo! Eterno em sua criação e destruição! Desagua-me! Que hoje eu tornei-me um bailarino.
Alguém está escutando a música? Que cheiro bom! Está pronta a comida.
Oh, Tempo, és Tu que trazes até mim a voz de anjo de minha mãe - "vem, filho, o almoço está pronto!"
Meus olhos marejam, as lágrimas se desprendem numa torrente de emoção. Quanto mais choro mais vontade tenho de chorar. Estou triste de tanta alegria. Parece que vou arrebentar em mil pedaços e espalhar-me pelos quatro cantos da Terra.
Desagua, mundo Velho! Que quanto mais desagua mais o êxtase me arranca o céu.
Abre-se o abismo. Céu e Terra se confunde. Meu senhor, espera, dê-me um tempo -
o que fiz para sentir tanta vida?
Mas ele não pára, e o cheiro de comida embrulhado ao canto dos passarinhos me faz querer morrer de alegria...