Outra vida

Pensava em mudar de vida, após longo tempo de incertezas, de desacertos, descrenças e quetais.

As coisas precisavam acontecer de outra maneira, pois aquela rotina chata não servia para nada, não o levava a lugar algum. Por isso mesmo, mudar era o verbo principal daquela criatura, daquele ser de pouco mais de sete décadas.

Poderia ou poderei estar falando de mim, em algum momento, mas isso pouco importa. Pouquíssimo mesmo.

E olha que pelo simples fato de desejar mudar seu estilo de vida isso, só isso, já o fazia se sentir outro, alguém que buscava algo novo naquele mundo velho, repetitivo, sem graça, até sem sentido.

Sua cabeça, antes a mil, começava a sossegar, a perceber que bastava apenas trocar de rota, sem se importar em se voltar à esquerda ou à direita. Odiava os políticos quando pensava nesses lados, nessas posições ideológicas. Mas no caso dele, as posições eram outras, muitos diferentes. Ficava bem claro que seguir em frente era o que lhe restava.

Sem perceber que seus pensamentos lhe faziam invadir a madrugada, apenas quando os primeiros raios de sol fechavam seus olhos, ainda assim percebeu a enorme falta de sono que patrocinava seus últimos dias.

Já deitado na cama que mal havia arrumado, sua mente se voltava para o que fazer naquele dia. Mas se não parasse de pensar na tal da mudança de vida, como conseguiria dormir?

Adormeceu após o galo cantar pela terceira vez. Cerrou os olhos quando o corpo exigia descanso, novas energias; se roncava, não sabia. Nunca ninguém lhe falara sobre isso. Nem os de casa, nem os vizinhos tinham ideia a respeito. E que importância tinha isso? Dormir era necessário, fundamental, primordial.

Sonhou que estava no Céu, sentado em uma nuvem inteiramente branca. E dizia que gostava daquilo, daquela paz, daquele estar só. Não durou muito.

Instantes depois já se perguntava: até quando aguentarei não ter alguém para conversar?

A nuvem, tomando a forma de escada, fez com que ele descesse os degraus quando sentiu que estaria sendo levado ao encontro do que tanto desejava, do que necessitava fazer. Sim, precisava mudar de vida. Ou, ao menos, perceber o seu sentido. Muita gente dizia que viver vale a pena. Desistir, jamais!

A cada degrau, a cada troca de passo, a proximidade da solução do seu problema maior. Sentia que algo novo tomava conta de si. Leveza, suavidade, ternura, as mais incríveis sensações. Incríveis, doces e belas.

Tudo aquilo, na verdade, não passava de um sonho. Mas, para ele, realidade pura, insofismável. Não tinha mais a menor dúvida de que havia alcançado seu objetivo. E se alguém sugerisse um milagre, ele refutaria, prontamente.

Olhou em volta da cama e lá estava um pedaço de papel com dizeres em letra sofrida: não queira mudar de vida.

Chico Legal
Enviado por Chico Legal em 28/11/2019
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