[‘Ribada]

[Febre alta: se o tutano sair dos meus ossos, então, eu vou ficar assim, uma ossada branca, largada ao sol, no meio da invernada. Tombado à beira do caminho, de qualquer caminho que houver neste mundo, vou ser apenas uma aparição aos olhos de um cavaleiro... Gavião vai voar por cima de mim, vai até gritar, mas só vai achar o nada: a ossada do meu eu extinto, caída, seca ao sol, pelo sol. A vida renasce daí, dessa secura - eu acredito na vida.]

Estrala o mato seco, espoucam os paus podres,

A poeira sobe da secura do capoeirão —

É a rês bravia que ficou de ‘ribada

Lutando para não ser arrebanhada.

De longe, escanchado no meu cavalo,

Seguro o queixo com a mão e espio...

Pelejam o campeiro e a cachorrada;

Acuado, o boi negaceia, ora investe, ora foge.

Corta-me a voz essa refrega inútil:

O boi não pode vencer essa parada!

Escabreado, meu olhar interroga lonjuras:

Donde vêm os caminhos que me percorrem?

A inexorável e incessante brotação da vida

Diz-me que a memória de mim logo será apagada.

E o teatro da minha mente infestada do passado

Mostra-me nitidamente: também sou boi de 'ribada!

A vida é imensa boiada que marcha num só sentido;

Eu, tronco renitente contra a voragem da correnteza,

Sou ‘ribada desta vida que passa

E some de vista sem eu tomar tento dela!

[Penas do Desterro, algum dia de 1999]