Inerte paz

Cores pálidas, fracas e transparentes são refletidas a cada corredor solitário. Fora a estática e a indecisão do céu que pintara o dia em tons monótonos de calmaria. Calaram-se os fenômenos da natureza, os veículos sumiram do bairro, a cidade inteira é deserta de presenças familiares e estrangeiras que quebrariam a permanência do silêncio.

Ando descalço no solo úmido, abdico preocupações de minha saúde, estou de braços abertos às tempestuosas lágrimas que se despojam sem hesitações sobre almas empáticas a sua dor. Visito as ruínas de cada verso que escrevi, nunca esquecidas porem sempre evitadas de recordações. Minúsculo eu à grandeza desta opacidade, sou mais que um nome e um corpo, sou mais que a realidade me ensinou e me permitiu ser.

Rasgo e atiro pelas janelas as páginas repletas de parágrafos de mim, escrevo-me a partir do presente, o passado é apenas uma poesia de raso significado, sem uso ou importância para futuras estrofes. Hoje cesso minhas próprias guerras, não há mais soluções em persistir por mais do que mereço ter. Hoje não sei mais de nada, alunado pelos amanhãs, recupero progressivamente as coisas que esqueci e desaprendi nos ontens.

Ainda desejo recorrentemente que algo ou alguém milagrosamente me guie para uma total oposição do agora. Ainda erro, erro e me declaro irreparável mesmo sobre inofensivas circunstâncias. Ainda sou fraco o suficiente para ver além do exterior de cada pessoa. Ainda sou indiferente a sinais de solidão. Ainda gosto de fingir ser outro alguém em outra vida. Ainda sou feliz em meus próprios termos.

Mas escolho abandonar meu velho hábito de negar o que vejo em meu reflexo, para melhor ou pior, conformo-me com a figura que me encara em olhos de desamparo e ambições. Em passos indispostos, impulsiono-me em dualidades de vontades. Exploro a paz inerte e efêmera que me ajuda a clarear as respostas mais óbvias, ajuda-me a me recompor para mais do que imagino enfrentar, para o que a partir de cicatrizes e ferimentos, me fará crescer.