A menina segurando o gato

Texto semiótico acerca da pintura - The Culprit de Eugene de Blaas (1843-1932). Pintura disponível no google.

A linguagem é constituída de trocas neuróticas. Finita e incompleta, erótica, é um misto de discursos agregadamente dispersos. Seus interlocutores sem rosto propagam-na como um vírus sagrado. Infecção generalizada de textos e contextos mutuamente se replicando. Uma menina segurando um gato pelo cangote tem um olhar fixo, duplicado, com seus tons de castanho/esverdeado. Olhos mordazes e reluzentes, (vividos) e, ao mesmo tempo, pueris. Miragem que nos encarcera instantaneamente. Com covas nas maçãs do rosto, ela sustenta um sorriso intrépido e cativante, oblíquo, de certo modo falsamente verdadeiro. Suas madeixas loiras angélicas, contrariam o pudor e rubor de seus lábios corados.

Um pescoço fino e comprido sustenta aqueles olhos apriorísticos, nos quais, a beleza impenetrável amordaça nossa carne. Uma flor um tanto murcha adorna seu busto europeu de épocas passadas. Estará ela rindo sem propósito, ou apenas sorri de nossas feições boquiabertas? Com efeito, a donzela nos absorve até os limites da incompreensão sensível. Um nariz pequeno, no entanto, imponente; contrasta com sobrancelhas quase translúcidas, revirando nossas percepções óticas. A culpa é ironizada na tela de captura do animal infrator. Por um lado, a aura desta pintura tem apelos reconfortantes, iluminados, por outro, um significante sombrio, enigmático.

Crime hediondo, o gato fez em cacos as porcelanas finas de sua jovem dona. Com suas feições inocentes, o bicho revirou a cozinha, fez estardalhaço, quebrou os ovos que são o signo máximo dos mistérios da “origem” da vida e morte. O gato fica imóvel na imagem, pelos em tons multicolores, arrepiados e desgrenhados, couro puxado pelas mãos firmes e delicadas da moça. Imperceptivelmente, seu único alento é aceitar o arrependimento. Manifestação do poder matriarcal sobre os impulsos do devir felino. Pinceladas precisas criando sensações imprecisas. A menina segurando o gato culpado, que mesmo imóvel, estático, sem reação, faz graciosamente “ronronar” nossas emoções.

Daniel César - Natal, 17/10/19.

D César
Enviado por D César em 14/11/2019
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