Acordei me lembrando de nada

Desnorteado pela ainda presente turbulência, a tontura que me causou o desmaio gira e transforma o arredor de minha visão em cores fracas, embaçadas e desconexas. Tentativas vãs de formular o que me aconteceu são fixadas em confusão, mas a incerta estabilidade do agora me receia às próximas horas em que o desamparo é a predominância de minha racionalidade.

Dedos doloridos, ossos enfraquecidos, saliva morna e suor frio. Inexistentes marcas de passos no chão, pistas não iminentes e memórias faltando concluem a anormalidade fluindo às deduções de explicações em que se aventuram meus pensamentos.

Atordoado e inicialmente paralisado pelas recorrentes questões. A sobriedade e lucidez são as inimigas da situação. Subliminarmente, eu sabia exatamente as razões de estar ali, mas em todas as formas, não me conveio considerar qualquer uma delas como certeza.

Ao passar do tempo lembrei-me de rostos, nomes, fragmentos de conversas e pedaços de momentos. Houveram lágrimas, perdões clamados e laços rompidos. Faces familiares sumiram num piscar de olhos, porem era como se suas presenças ainda assombrassem a cada segundo em que inegáveis eram suas ausências.

Era deserto, escuro e indiscutivelmente inefável. Tateava meus pés descalços ao solo gélido noturno. Desprovido de equilíbrio, admiti-me derrotado de encontrar uma saída, deitei-me em minha desordem, aceitei que esta é uma inconsertável perdição, descartei as possibilidades de ir ao rumo de onde vim, e mesmo se eu considerasse o contrário, nada ou ninguém serviria de fidedigno guia.

Fora uma fuga? O medo subliminar da vivência talvez tenha me impulsionado a me afastar de tudo o que conheço? Uma procura? Perdi-me em meus próprios termos, e em um ato de desespero, decidi vasculhar em lugares estrangeiros por partes similares a mim?

Aos passos lentos em que me recordo, menos desejo saber a correta versão da verdade. Talvez fora uma um decisão feita este esquecimento. A curiosidade desta vez é o que me amedronta e me faz querer que tudo permaneça da maneira que está agora: Indefinido e irresoluto, embaralhado e fora de seu devido lugar.

Acordei me lembrando de nada, e que assim seja. Este voluntário oblívio a tudo o que fiz trazem novas maneiras de repetir os erros e acertos. Uma página livre de pesarosos parágrafos de meus capítulos, uma chance de uma nova história do zero. Uma perfeita e única oportunidade de concretizar e cumprir os requerimentos de minha autofuga, que agora em diante, não sofre do peso de relutâncias e covardias de esperanças.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 04/11/2019
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