Respeitável público
Chegamos, enfim,
à idade da loucura.
Da ternura aprisionada
sem fiança,
da lembrança burra
e pretérita.
Desencovada, catalogada,
posta em baixela de prata,
a iguaria pegou fama.
Recomendamos:
Fina flor de abril
ao molho de Brasil
milnovecentosesessentaequatro,
como nunca dantes se viu.
Ame-a ou deixe-a.
Não rogue entendimento,
a graça está aí.
Graças a Deus,
todos os pecados evaporam,
secaram pelo arrependimento.
Não é questão de escolha (ou é)
o verde-oliva voltar à moda
e a alta-roda ditar o passo.
A caravana circense chegou.
O palhaço tropeça a milésima vez
para a alegria do público pagante.
— Sensacional, hilariante!
Tem o globo da morte
onde só com sorte,
pode-se escapar ileso
da colisão fatal.
— Oh não, algo deu errado.
O motociclista entrou vivo
e saiu finado (aplausos).
Não surte efeito a mudança de canal.
O tal show é o mesmo.
O cuspidor de fogo também falhou,
virou torresmo.
— Ah, corta essa!
Não. Está tudo certo.
A audiência está bombando.
Decerto, a próxima atração
será arrasadora.
O atirador de facas
vai girar uma placa de madeira
onde está presa uma criança.
Afasta-se a uma boa distância.
— Minha Nossa Senhora da Infância!
Nossa, errou a primeira.
Nossa, errou a segunda.
Vai errar a terceira.
Errou.
— Nossa, isso lá é poesia?
Não tem outro assunto?
Me deu queimação, azia sabe?
Sim, vou recorrer ao anedotário.
Era uma vez nas terras de Vera Cruz
um erário muito belo e atraente,
plenamente desejável
aos quatro cantos do mundo.
Eram florestas, minérios
e riquezas do mar.
Vieram pois as caravelas
e viu-se tudo aquilo danar.
De lá de trás dos montes
vieram as gentes, brutamontes
a pilhar, escravizar e catequizar.
— Sim, estou esperando a piada.
— Camarada, sente aqui e não insiste.
Não tem. Ela não existe.