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Tanto faz quando badala o último sino indicando a virada do dia, se olhando para ontem ou amanhã. Não importa, pois, o fim é apenas o momento e seus transcursos sucessivos me colocam diante do papel em branco. O que muda e, de fato, as coisas mudam é a gravidade do que se inscreve nas letras que coloco no mundo e nas linhas que se colocam no rosto.
Vai tudo passando, porém, o eu de agora, que nasce neste aniversário, morre também neste vulto de pensamento sem sentido, sem gramática para se acomodar. Então, olho para dentro – o mundo não me cabe bem.
O problema único de ser sujeito é ser “dono de si”, parcialmente corresponsável por meu próprio estar no mundo. Determinação autêntica, externa, dependência da trajetória ... chego hoje aqui sem alento, pouca agência e um saber inútil, de sofrimento.
No momento, penso no amor, no fruto do possível e na transformação. Tudo isso fora de mim. O coração não se aquece, mas ouso acreditar numa chama residual. Não choro. Meu couro é grosso. Por outro lado, lamento a profundidade da incerteza quando, paradoxalmente, parecem quase certas as limitações que enxergo em mim.
Aí é que sinto medo. Se se confere realidade a isto que vejo no espelho, a determinação é de quem? É minha a culpa? É divino o plano?
Sei que é linda a possibilidade. Mora nos rostos rechonchudos que têm os jovens. Observo a luz do sol e a garantia das rotações de que em algum momento vem a luz. Com as costas reclinadas no sofá, suspiro entregue ao mistério.