não foi assim que imaginei como acabaria um domingo

     Deitei-me ao seu lado, me jogando cansado abraçando seu corpo e com uma de minhas pernas no meio das suas. Estávamos ofegantes e sorrindo feito bobos. Espiei, por um breve momento, seu rosto, e notei uma espécie de brilho. Fosse suor, não nego essa possibilidade, mas me parecia ser algo mais complexo do que isso, e não tão abstrato quanto os sentimentos são antes de entrarem em contato com o verbo.
     "Cansei," eu falei. "E ainda me deu cãibra na perna, não sei se você notou eu tentando mexê-la."
     "Não. . . Eu não notei."
     Soltei um riso abafado. Tinha que respirar. Beber água também seria uma boa coisa a ser feita.
     No entanto, a dificuldade para levantar da cama não se prendia apenas na fraqueza de meu corpo. Era o conforto da intimidade que pairava por nossos corpos, voando em movimentos circulares, em movimentos paralelos. Voando baixo, até nossos rostos. Voando como se fosse a única coisa ali presente. Seria um balé, caso pudesse ser visto, e nós dois sentados na platéia bem na primeira fileira de cadeiras, agraciando todo o trabalho de árduos ensaios. Preciso escrever sobre isso, eu pensei já tentando formular mentalmente a primeira frase do que seria um texto cansado em orações.
     Mesmo com o ar condicionado ligado e o corpo molhado, me sentia imune a doenças que poderiam me atingir devido ao ambiente gelado. Aos poucos eu me esfriava, mas de olhos fechados conseguia sentir o calor que tanto desejava de braços e seios tão distantes de mim. Fazia carinho em sua barriga, em seu peito, enquanto tinha seu rosto quase colado ao meu. A sincera libertação desejada em tantos relacionamentos, fossem do jeito que fossem. Misteriosos caminhos e diretas vontades foram apresentadas e expressadas para que nós dois estivéssemos ali naquela hora. Mas nossa esperança nós guardávamos à distância, personificadas em outros sorrisos. Não pensei muito, só tive a inocência do desejo em me manifestar do único jeito que sei. Quando as palavras saem de minha boca é possível sentir os terremotos do outro lado do globo. Ainda ao meu lado, ela se cobrira com meu cobertor azul. Era sua cor favorita, eu sabia. Claro como o oceano deveria ser antes de nossa existência. De nós, humanos, acabarmos com nossa moradia como estamos fazendo.
     "Você quer transar de novo?"
     "Eu quero. E também quero um cigarro."
     Levantamo-nos e nos vestimos. Ela pôs minha camisa e eu saí de meu quarto apenas de shorts. Na varanda estava calor, mesmo com as brisas que a madrugada oferece. Respirei fundo depois de acender um cigarro e nos sentamos de frente pra rua.
Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 16/10/2019
Reeditado em 09/05/2020
Código do texto: T6771277
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