(LAPIDADO) O SENHOR DAS BALAS E O MENINO TRISTE

Noutro dia, caminhando pelas ruas desta megalópole sem qualquer

objetivo enriquecedor e a caminho do trabalho, decidi comprar algumas

balas. Mal sabia eu que minha singela queda pelos doces enriqueceria minha história.

Continuei meu caminho, certo de que alguns metros à frente encontraria o senhor das balas. O vendedor ambulante que costumava ficar no ponto de ônibus tinha estatura baixa, cabelos ralos e grisalhos; em sua pele e no corpo corcunda, trazia as marcas de uma vida sofrida. No rosto abatido pela vida dura, era visível a ação implacável do tempo.

Sempre que eu passava por lá, era inevitável não pensar no senhor das

balas e, logo, numa possibilidade de ajudá-lo. Naquele dia, furtei-me à ideia de entrar em qualquer doceria e reservei as moedas que chacoalhavam no meu bolso para aquela ação que somaria caridade com satisfação pessoal.

Chegando, lá estava o senhor. Sempre animado e com a voz rouca,

anunciando suas guloseimas a preços bastante honestos. Retirei as moedas do bolso e perguntei o preço de alguns dropes da sua bancada. Ele me respondeu de maneira bastante simpática e estratégica, digna do perfil de um grande comerciante:

— Estes custam apenas R$ 0,50, meu amigo!

Sem hesitar, comprei dois daqueles e me tornei um de seus clientes.

Eu ainda estava por ali aguardando o coletivo que me levaria ao trabalho

quando percebi que um garoto pré-adolescente, que havia presenciado meu diálogo com o senhor, e a compra das balas, me fitava com um olhar triste e intrigante. Fui convencido por aquele olhar e me aproximei de maneira receptiva e cautelosa, então lhe ofereci um daqueles dropes, que foi aceito espontaneamente e com um agradecido sorriso no rosto.

Querendo aproveitar o momento, emendei àquele breve contato uma palavra de conforto, e esta foi recebida com certa desconfiança. Eu lhe disse:

— Fique tranquilo, Jesus te ama.

Então, ele me olhou novamente, resgatando aquela tristeza que o

acompanhava no olhar. Depois, se olhou de baixo a cima e apontou para a altura do seu ventre, como se quisesse me dizer sem falar: “Eu!"

— Sim, você, meu amigo. Jesus te ama e tem grandes planos para sua vida. Basta crer, buscar conhecê-lo e passar a seguir seus ensinamentos todos os dias da sua vida. Ele cuidará de você.

O garoto, ainda desconfiado, me ouvia entre uma bala e outra, porém,

demonstrava que seria difícil acreditar que alguém o amasse tanto — ainda mais que tal informação, boa o suficiente para mudar toda a sua história,vinha de um desconhecido no ponto de ônibus. Mas algo o conduzia a esta possibilidade e, no acaso de encontrar o amoroso Jesus, ele provavelmente o seguiria. Pois, até ali, não havia experimentado algo do tipo, o amor com esta dimensão, sem reservas, nem interesse, maldade ou limites. Assim, retrucou:

— Como?

As mazelas das grandes cidades vão além de apenas desconfiar de tudo

e de todos. Apesar de nossas diferenças, tínhamos algo em comum. Talvez a carência deste amor incondicional, ou talvez a coincidência de uma infância sofrida à mercê dos ventos que às vezes sopravam a favor, às vezes não. Eu e aquele garoto tivemos nossos barcos existenciais à deriva, momentos em que procurávamos não refletir, mas apenas divagar.

Só que naquele momento bastante especial do dia — e de toda a vida!

— um desafio pessoal estava em curso. Eu precisava chegar ao meu trabalho e no horário. Não havia possibilidade de permanecer e aproveitar para ter uma conversa mais duradoura, tampouco aventei um reencontro. Seria o que tivesse que ser e naquele momento. E minha resposta foi:

— Procure uma igreja e converse com o pastor local sobre suas necessidades e sobre sua vontade de conhecer Jesus. Preste bem atenção. Pode ser que ele não te dê atenção, mas então, não desista e procure outra igreja, e quantas outras forem necessárias, até que encontre um homem de Deus. Ele irá te orientar, ajudar e direcionar no que for preciso para que você conheça o grandioso amor que Jesus tem por nós. Você ficará impressionado e se sentirá muito melhor, como se nada lhe faltasse, e encontrará nele seu melhor companheiro.

— Como saberei localizar esse tal homem de Deus nas igrejas? E se

ninguém me atender? — disse o garoto.

Com todo o direito das dúvidas que se somavam às suas incertezas,

floria um pequeno interesse em progredir no direcionamento. E, sentindo

isso, falei:

— Como eu te disse, não desista! Talvez você se decepcione com

alguns que encontrar pelo caminho, mas mantenha o foco. Coloque como seu objetivo conhecer Jesus. Dê uma oportunidade àqueles que também lhe derem e ouça-os. Mas não deixe de pesquisar, questionar, ler incessantemente sobre Ele e, na medida da sua evolução no conhecimento, os ensinamentos de Jesus lhe dirão quem é de Deus e quem não é. Saberá que Jesus é misericordioso e agirá da mesma forma. Você se tornará um grande homem. — Então, o menino seguiu para sua mais importante cruzada, mesmo sem saber as maravilhas que o aguardavam.

Há momentos na vida que o acaso deixa de ser coadjuvante e assume

o papel principal. Lamentamos saber que eles durarão menos que o suficiente e tememos ficar com a sensação de que faltou algo, alguma palavra, alguma atitude mais eloquente. Mas o implacável acaso prega essas peças. Por isso, devemos sempre estar preparados para nos doar ou para receber as preciosidades subtraídas desses encontros casuais. Verdadeiros acidentes filosóficos e reflexivos. Na verdade, eu mais ganhei do que doei nesses encontros.

O senhor das balas me mostrou que é preciso perseverar com alegria,

simpatia e leveza. Que apesar da ação do tempo em nossas vidas, o outro sempre merecerá ser bem recebido. Já o menino triste me ensinou sem falar.

Pude perceber que, se dermos oportunidades ao próximo, poderemos

também nos surpreender com boas coisas. Mostrou-me que as megalópoles nos furtam o que acontece ao nosso redor. Ficamos entorpecidos pelos objetivos pessoais, inadiáveis e, na maioria das vezes, atrasados. Mais que tudo isso, relembrou que eu tenho um alvo. E que mesmo se alguns homens no caminho não forem de Deus, meu alvo continua sendo Cristo. E Ele preparará pessoas dos céus para caminharmos juntos. Sabendo disso, também deverei estar preparado para que outros irmãos possam me encontrar e me descobrir como um enviado de Deus.