Desencontro

Certo dia, assisti a cena de um reencontro entre homem e cachorro. Na verdade, não sei, ao certo, em qual momento houve o desencontro. O que vi, foi um vira-lata preto, deitado em uma calçada, uma moça desesperada tentando ajudar e um rapaz, que guardava carros, compadecido, alternando um olho no ofício e outro no bicho.

Parece que o animal, num primeiro momento, ficou atordoado, sem direção, indo de um lado para o outro. Porém, quando se deu conta de que não conhecia mais os cheiros, parou.

Passado o desespero primeiro, ausente de seus instintos, o cão percebeu que não adiantaria latir ou correr. Sentou e, resignado, permaneceu. Passou a reparar em cada pessoa que passava. Não reagia a nenhum estímulo, mesmo que o chamassem com todo carinho. Reservado, resolveu não comer nada que lhe oferecessem, por mais tentador que fosse. Sereno, passou a esperar. Sabia que tinha mais chances de encontrar o rapaz se ficasse naquela região.

Quem notou aquela desistência, ficou imediatamente comovido.

Segundo a moça, quando ela estava em outro bairro, havia visto um rapaz desconhecido, de bicicleta, procurando por um cachorrinho. Estava, portanto, em outra rua mais distante. Assim, ela passou a desesperar-se com uma possível saída do pet do lugar em que estava deitado, de modo a aumentar o desencontro com seu dono.

O rapaz, segundo soubemos depois, saiu furioso com o seu pai, que deixou o portão aberto e causou a fuga do animalzinho. Antes de sair para procurá-lo, xingou, esbravejou, espraguejou seu genitor. Gritou muito, e alto. Pegou a bicicleta e saiu em disparada em meio a carros e pedestres, oscilando entre rua e calçada. Cego de tudo, farejou seu companheiro pelos bairros, fuçando em cada canto. Quando, depois de horas perambulando à esmo, viu seu amigo, largou a bicicleta na frente dos carros, correu, pulou de alegria e chorou copiosamente.

Quem assistiu ao episódio, vai lembrar somente o encontro, que nos diferencia: “cachorro perdido achado pelo homem”. Na hora, não soube o que sentir. Fiquei entre comovido e conformado também. Por isso, escrevo o desencontro, momento em que nos une: perdido cachorro, perdido homem.

Lucian Rodrigues
Enviado por Lucian Rodrigues em 06/10/2019
Reeditado em 06/10/2019
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