Dor cotidiana
Não importava a estação. Lá fora, no seu peito, era sempre inverno. A vida era difícil de engolir. Todo aquele processo cotidiano, a falta de perspectiva, o ônibus lotado as 6h da matina, o café de baixa qualidade. Tudo aquilo tolhia sonhos. A cidade de concreto, a sua vista cotidiana, a poeira dos carros, a escassez dos sonhos, a fluidez do silêncio. Nas grandes cidades, certamente, não dava pra ser feliz. Elevador lotado. Para preencher a pequena cabine, vozes desconhecidas enchiam seus dias. As músicas de outrora, substituídas por ruídos e xingamentos. Quem, em sã consciência, gostava de telemarketing? Pergunta retórica essa. Deveria ter estudado mais, fugido, tentado outros caminhos. Fim de expediente, troca de turno. Mais um rosto vazio a substitui-la. Elevador lotado, repetição. Chove torrencialmente, lanche barato na esquina, pequenas baratas passeando. Caminha rumo a condução para mais um dia. Talvez hoje consiga passar no mercadinho Comida instantânea, três latas de cerveja. O remédio que a ajudava a pegar no sono estava acabando. Abre a porta, o gato esta lá. Merda. Esqueceu a ração,seu único companheiro. Liga a TV, crime, assassinato, nada de novo. Sera que consegue aguentar outro dia? O gato deita no seu colo, ronrona pedindo comida. Divide o macarrão com ele, termina a cerveja, toma seu comprimido, banho. Abre a janela, parou de chover. Observa a rua, os transeuntes, suas risadas, seu livre caminhar. A queda é livre, libertadora. É quase como voar. Toca o despertador, acorda. Não foi dessa vez.