O lobo do homem e Ele mesmo
Do nascimento da solidão é o abalado do coração do mais gentil, gentilmente, este sentimento vil que desconstrói todo um castelo, usurpador de sonhos e dono de toda a dúvida, que sem dúvida nenhuma, fez meu coração palpitar. Num ato de amor próprio, tranquei minha mente consigo mesmo, a chave já não encontra a fechadura, preso dentro de si, pensou, a ponto de estar sozinho, que sozinho nunca estaria.
Uma figura deforme andava pelos seus jardins noturnos e emaranhados de incertezas criavam donde deveria ser seu abrigo, abrigando um ser adentro a floresta de suas confusões, procurava motivo suficiente para mostrar-lhe o sorriso, cadavérico e eufórico, felizmente, suas presas o acertaram somente com palavras.
A criatura por sua vez, cheia em sensatez, veio andando com passos meticulosos, ardilosamente em minha direção, seus braços negros, suas garras afiadas, seus olhos vermelhos e sua boca ensanguentada, que tipo de presa trouxe consigo e qual ou quem levou para o túmulo para que sua fome insaciável pudesse ter sido distraída por uma noite.
Sentiu meu cheiro, do dono que esquece seu cachorro, criado para ser alimentado e sentiu fome, sede e vingança, a sombra que pairava todo o meu paraíso e o resquício de todo e qualquer mal que eu já fui, sorria bestialmente, cumprimentando-me cordialmente.
-Ora diz a hora, quem é e quem vejo, talvez esteja louco, lúcido em loucura para ver quem está em minha frente, é uma projeção de minha esperança ou o pesadelo do meu desespero, quem é ou quem será, tem cheiro do rei que brande sua espada novamente contra seu próprio lar.
-Estou a passear por mim mesmo, como um dedilhar de calafrio, um sentido, um sentimento, em busca fatídica dos meus juramentos, meus ditames e minhas crenças que um dia me acompanhavam se mostram abissais, outra vez e outra mais, me tornei impotente e por mais que eu tente, esse é um dia nublado para quem quer tanto ver o sol da manhã.
-Então só se lembra de suas brumas quando não sente o pé no chão e o único súdito que veio aclamar sua chegada a beira mar, foi logo eu, o próprio e o único, lobo do homem que um dia se fez governante, trazendo escassez e insensatez, mais uma vez, para um lar que nunca o fez.
-Eu sou e sempre serei, não haverá ninguém além de mim em terra que fiz por mim, cada cria e cada casa, cada castelo e cada mata, floresta, flor, ave e criatura, me atura e me ama, pois quando há vazio de ventos neste mundo, não há ninguém que me clama, aqui sou eu, sou meu de mim mesmo e nunca me tirei, diversas são as complexidades de mim mesmo que só me conheci neste dia.
-Eu ouço o silêncio, eu vejo o que não aparece, eu sinto o insensível, cheiro o inodoro, e o sabor é insípido, como pode dizer que de tudo o socorro faz eco, se nem paredes são levantadas nesse mundo cativo, sua utopia é realmente utópica, pois de perfeito só há a imperfeição, juntamente com sua afeição, leva-se a ruína do homem se tudo aquilo que ele construiu foi escombros.
-Mesmo sendo criado com incerteza, o raciocínio foi baseado em racionais, racionalmente eu elevo minha figura a mim, mostrando que eu não sou monstro e nem afim, nem meio nem começo, sou eu, sou além, sou tudo, sou ninguém. Minha vida e meu castelo, minha fortaleza, minha ruína.
-E dondé que escondem nessas mil paredes de dúvida os aclamados que lhe parabenizam pela sua bela arte? Seu renascentismo tornou-se vago, um artista sozinho e desprovido de pessoas não é ninguém, pintor e amador, como pôde ser criador, se não tem ninguém para lhe dar clamor?
-Aqueles que considero se foram e você sabe, estava lá e por isso és tão soberbo ó cria demoníaca de ressentimento. Conjunto e comigo, sozinho e amigo, entendeu e estendeu a mão para uma vida pacata e sem cor, és negro como a noite e moço como o revel, tua existência é não pacífica de correção que sei o ouriçar de cada pelo de sua nuca! Conheço a ti como eu mesmo e mesmo assim, não o sou.
-Convicto! Dirija-me tua ira pacifista! És tu que procuro dês dos primórdios da era negra, quando o sol era negro e teus amigos vivos! Mostra-me quanta dor ecoa nesses céus e faça-me chover canivetes para descobrir qual a cor que todos vestem, o carmesim que todos escondem e o único segredo de cada corpo, mostra-me do que és, revive-te em ira profunda o quanto me faz querer uivar em tua sinfonia tenebrosa!
-Convicto? O diabo invicto?! Nunca se moleste a pronunciar o nome pacato de um passado quebrado a minha pessoa, eu continuo sendo seu rei apesar de toda cordialidade e deste o momento que o vi, seu nefasto e profano, queres que vista as pelagens que um dia joguei por trás do trono, alimentando-se de todas as feridas que abri durante anos, mas és tão mortalmente imortal, que tua morte é mais benfeitos quanto a morte violenta de um sentenciado.
-Todos sintam a presença do Usurpador! O Convicto da ágora, violonista maldito e o último fio dourado, favorito da Morte e o preparado para morrer, o corvo negro, personificação do Orgulho e filho da Ira, me intriga! Quantos mais títulos escondem esse soberano, patrono desta terra e senhor de todo sangue!
-Eu vos digo que basta! A tua morte não me dá prazer e as tuas tentações me causam asco, eres fracasso e maldito! Criatura do abismo, porque não me diz o tamanho da tua fome, a ponto de tentar engolir o Sol mais uma vez, não importando que a carne queimada seja sua se o gosto for comestível, sinta-se a vontade de criar teus holocaustos em fome, enquanto a pira que me colocas não fui eu quem acendi.
-O senhor mudou, quem foi que fez chover nesta terra em brasa? Que silenciou tua fúria em peito, que no leito, prometeu não fazer o pecado que novamente faz, quem lhe trouxe um pouco de paz? Se a baronesa visse tudo isso, duvidaria de si mesma, mas o cabresto nem aqui se encontra mais para saber o quão decepcionado está contigo.
-Não necessito de ataduras nem cordas que me enforquem até o delírio, meu colírio és meu lírio, tu conhece as forças de vingança de um homem cego, conheces as labaredas que sou capaz de cuspir e muito mais o assassínio criado em todos esses anos. Mas nunca, em toda a sua vida, viu na minha vida momento algum, a ira de um homem gentil.
-Gentil. O homem mais altruísta que conheço, mesmo pensando nos outros, pensou em si, pensou em nos, pensou nela e neles. Mas no final, quando chegou, afinal, quem sobrou para contar tuas benevolências? Suas violências invisíveis são mais concretas que sangue em parede branca, eu vi o genocídio, eu vi o suicídio, todo o deicídio foi um estrela cadente, filha do sol negro.
-O que te aflige, sombra de mim mesmo? Qual o teu propósito de não ter caído também, minha estrela do amanhã? Quem te ofusca tanto a luz que lhe dói os olhos cativos em imensidão de um plano pequeno. Sou teu rei, teu amigo, teu eu, teu algoz, teu salvador, você mesmo. Mas o que te prende a todo esse rancor que não te deixas amar?
-Você. Tu és tudo e não é nada, meu salvador e meu carrasco, quem traz e tira, assassino nato e curador apresentado. Eu não vou deixar você enquanto não se aceitar, mudar para o melhor até que eu desapareça, me alimentas, me sacias, me enche a pança como um filhote nascido, preso a teta do destino para viver numa vida já morta. Eu sou sua sombra, seu passado e enquanto não mudar, seu presente.
-E não percebes mudança? Há dias que não saco a espada negra, que não sujo o chão de meu castelo de sangue, apenas chove, chove profundamente para que eu não a saque, para que não volte e retroceda, no final, seu maior rancor é medo, medo de desaparecer, porque achas que por mudar, é esquecer, é sacrificar por ser inutilizado do presente, mas saiba, que tudo é aprendizado, mesmo que pacato, que machucou e que doeu, cresci, transcreveu.
-Eu tenho medo. Quem lembrará daqueles que se foram se você me matar, quem lembrará de todas as suas dores se você amar, quem se lembrará dos seus gritos se você se calar, quem se lembrará de mim, se você mudar? Quero que lembre, sinta tudo que sentiu, no ápice do prazer e do cume do desespero, o mais alto dos mais altos, o grito, o sentimento. O quanto teu delírio no bom e no ruim lhe fizeram tocar o pé do Alto.
-E achas que o Alto não vê? Pois crê, que enquanto vivos seremos lembrados, enquanto mortos, seremos amados, enquanto nós, somos astros. Ele permitiu tudo acontecer, e de certo, aconteceu da melhor forma, se não, és cria de impotência. Chove, dói, sangra, chora, se estás vivo, mostra que está, se não, teu silêncio dá por ti, morto.
-De tuas palavras eu não sinto ódio, nem remorso, pesar. É triste ver que sentes tristeza, não aceitas, não perdura, mas atura. São escolhas e destinos, hinos que foram gritados pela pátria, por ti, por mim. Somos todos filhos de nós mesmos, apesar de covarde á luz, mas na sombra, quem é que tem descanso?
-O som nunca para, o fogo nunca dorme, o rei nunca descansa, o coração não interrompe e a alma nunca deixa. Somos frutos, somos feitos para machucar, para sentir e para amar. Agora somos um só e essa dor é necessária, teremos nossas diferenças, mas se eu procurar lhe mudar, então quem sois?
-No final, jurei novamente te matar, mas tua maior arma não foram nenhuma das espadas, nem Conquistador nem Usurpador, só foi você, o pior das minhas fraquezas. Escória de minha sombra, meu senhor, meu amigo, aquele que me deleita, me deita em teu peito, que no teu leito, quem carregará a ti, sou eu.
-Somos todos complementares, meu jovem, és tão lúcido em terra do nunca, somos o fim, o Serafim do Amado. Não basta os títulos empoeirados, mas os que também brilham na coroa. És pedra, meu voto de Minerva, meu veneno de Deus, que por mais de toda despedida, nunca é adeus.
-Me rendi totalmente em teu deleite, és sempre tão calmo, jovial a ponto de ser inquietante, seu silêncio me assusta, por mais que deixas fagulhas atingirem a quem ama, ainda sim não cospe tudo, és tranca e não chave, nunca foi baú e sim cofre. Tua insanidade é sana, e por mais que odeie, ainda ama.
-Amar é uma dádiva, foi proporcionado diversas vezes, e várias delas foram tiradas de nós, entendo seu âmago, sua agonia, mas sorria, pois somos filhos de Poeta, que nunca coloca ponto final em suas obras, por mais sozinhos, temos nós, e contra nós mesmos há de ser o mundo, se não, qual o sentido de viver?
Despedindo-se a sombra, um abraço correu entre os dois, suas garras cravaram nas suas costas, mas era com amor, para que nunca esqueça o quanto lhe adora e saúda, acuda a quem doer e faz a ferida arder, é a vida, o ciclo de restauração, Autoconhecimento e inteligência. Estava se conhecendo novamente, pois já não basta a vida lhe surrando, ainda tinha que morrer todas as vezes, todos os dias.
Tudo por causa de um sentimento que lhe tirou o torto, o corvo que lhe fez querer crescer, aquela que mudou seu pensar e que causa fúria em sua injúria, tudo por amor, mesmo que amar a si mesmo é mais difícil que com Ela, mas com sua vontade tão singela, quer e conseguirá. Ele a ama, até mesmo para poder se amar.
Mas no final seu coração apertava, entrava em oração, mas não se calava, era uma voz interior que doía mais que o interior de sua alma, era calma, gentil e dolorosa, mas que dava mais pena que raiva, apertava seu peito com as grevas, queria gritar, mas isso desesperaria o lobo, tão grande e tão vil, asqueroso como cinzas de vulcão, mas sozinho, sem raiva, sem rancor, mas tanto amor próprio que estava disposto a sacrificar a si mesmo.
E nesse desfecho no conserto desse eixo. Eu deixo esse demônio sorrateiro, este podre salgueiro que nesse tempo inteiro, nunca foi lobo em pele de cordeiro.
Estava calado, pois precisava ser amado, por quem, perfaz a pergunta inerente a quem. Mas este alguém, sempre esteve lá. E sempre estará.
Pois o seu lar, o sol negro, já se apagou a muito tempo, mas a chama de seu peitoral, que transpassa uma garra memorial, não deixa que esqueça.
Ou me amas, ou me deixa.