Testamento

Matem o monstro que vive em mim.

Queimem os ossos que crescem dos meus ossos.

Acabem com os assoalhos que sustentam meus passos.

Não me deixem continuar.

Destruam cada pedaço que insiste em levantar, cada impulso que insiste em continuar.

Apaguem minhas memórias e as memórias de mim.

Se despeçam do riso histérico em situações imbecis, dos medos improváveis.

Calem os meus pensamentos de viver. Todos os desejos de reencontrar o que não deve ser reconsiderado.

Não deixem pedra sobre pedra, órgão sobre órgão, vida sobre vida.

Mas deixem que o cheiro continue, como uma sensação estranha no fundo da garganta. Uma nota no paladar das recordações das coisas forçadas à morrer.

Varram os vestígios de mim para baixo do tapete do passado. Deixem que eu apodreça com as frutas que não foram colhidas, com as flores que foram colhidas, os sonhos que não foram perseguidos.

Entendam meu caminho de torpor.

Reconheçam que todos os meus bons comportamentos foram band-aids arrancados com força.

Infecções no sistema nervoso da criatura que se recusa a cooperar.

Fernanda Oz
Enviado por Fernanda Oz em 22/09/2019
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