Estádio Benedito Pereira
Confesso que torço para o Fluminense Football Club. Porém, depois de velho, me tornei um tipo de torcedor covarde. Não frequento estádios - até pela distância - e gosto de assistir somente aos jogos decisivos. Enquanto isso, troco de canal para ver outros clássicos no mesmo horário do Flu. No bar, nunca vou para ver jogos, mas, se um dia fui, de certo não gritei pelo tricolor. Porém, não foi por falta de influência.
Quando eu era pequeno, juro que conheci uma torcida diferente de todas as outras.
Durante o meio da semana, ninguém se dava conta de que aqueles homens desocupados, que viviam no mercado do bairro atrás de um litro de cachaça e zombando da vida, compunham a mais respeitada torcida organizada que já se viu na várzea.
Individualmente, não me lembro de nenhum deles. É provável que na época ninguém os reconhecesse. Cada um existia somente quando todos estavam, nos sábados e domingos, uniformizados. O uniforme era o do 138 Unidos da Vale, time fundado por ferroviários, que ia a campo com seu veterano, juniores e titular, acompanhado pelos batuques da torcida.
Gritos de guerra, existiam, dos mais apaixonados aos mais aborrecidos, cada um adequado a um determinado momento do jogo.
Quando o time estava prestes a levar a vitória, ouvia-se um orgulhoso: “Eles contavam com a vitória/Eles contavam com a vitória/Mas o Oito não deu essa glória/Mas o Oito não deu essa glória!”.
Já quando o jogo estava pegado e envolvia rivalidade extracampo, lançava-se mão de palavras que naquela época era uma ofensa para a torcida adversária: “Ela, ela, ela/Silêncio na favela/Ela, ela, ela/Silêncio na favela!”. Era nessas horas que havia um risco de ver garrafas de cerveja voando, porrada e invasão de campo – um dia, acho que até tiros.
Quando a torcida estava no auge da cachaça e o sol cozinhava tudo que era líquido, os tambores, pandeiros e tamborins clamavam por duas plantas. Uma delas compunha um grito que ofendia a moral e os bons costumes – e eu adorava, porque via uma boa ocasião em que não era feio uma criança xingar: “Ô, araruta/Ô, araruta/ O [time adversário] filha da puta!”.
É sabido que toda torcida tem seus gritos. São utilizados em momentos de exaltação ao clube, de provocação ao adversário e de ofensas aos árbitros e treinadores. Mas, repito, a torcida do Oito era diferente.
Além de cantar as vitórias e derrotas, inusitadamente, ela também cantava seu estádio.
Em diversos momentos de um jogo, que não eram dignos de comemoração, tampouco de reclamação, ouvia-se os gritos serenos: “Es-tá-dio/Benedito Perei-ra/Es-tá-dio/Benedito Perei-ra”.
Demorei anos pensando porque diabos aquela torcida, como nenhuma outra, gritava o nome de seu próprio estádio, como se fosse o de um jogador que pudesse entrar para resolver a partida. Na falta de melhor resposta, atribuía aos fatores cachaça e erva, da ruim. E ria sempre que lembrava desses momentos.
Hoje, continuo rindo, mas acho que consigo compreender melhor.
Se não me recordo de nenhum deles individualmente, lembro do sentimento de uma torcida que gritava o seu estádio. Aquele grito materializava a paixão dos homens, que não cabiam no dia-a-dia da cachaça no mercado do bairro.