A DAMA E O LOBO.

Para aliviar a solidão ele circula, costumeiramente, por alguns lugares diferentes daqueles em que vivia. Em um momento inesperado, quando o mundo lhe parecia sem tamanho, desregrado, ela apareceu. Ele sentiu que o mundo em si não cabia.

Parecia uma sereia: delicada, sofisticada, linda. Seus cabelos brilhantes, em contraste com a pele dourada, fascinou o seu próprio amor, despertou aquilo que um homem pode sentir de melhor. Toda e qualquer resistência, sem ele perceber, sucumbiu, ali acabou.

Seu pulso disparou, recolheu as garras, ficou sem ar, ofegante, correndo o risco de padecer num instante.

Mas sem em nada pensar, mantinha os olhos vidrados naquela bela mulher. Tinha a impressão que ela seria a salvação dos seus dias de solidão.

Então, ela percebeu: aquele sujeito desconhecido, estático, sem ação, prostrado a sua frente, como se fosse um leão ou um cão sem toca, sem dono, sem coisa alguma. Mas gostou.

Ele depilou a crina, baixou a guarda, e se ofereceu, de quatro, aos seus pés, ao corte da guilhotina.

Experimentou um sentimento de atração tão fulminante que seu coração quase não suportou.

Seus cabelos grisalhos faiscavam, desalinhados, com leve charme nas ondulações. Ela reparou.

Então sorriu levemente, passou de propósito raspando a ele estático, somente para deixar o seu cheiro e perceber o cheiro do corpo dele. Analisou o quê sentiu e novamente gostou.

Balançando os belos cabelos negros, caminhando com passos levemente sensuais e mantendo um sorriso brilhante nos olhos enormes, percebeu que ele balançou. Mais á frente, de uma distância confortável e segura da ação das garras afiadas do lobo, virou-se, disparou um olhar certeiro, e percebeu nele um sorriso bobo, estampado, pelo mole que ela lhe deu.

O encantado quase desatinou, saiu saltitando de alegria, por pouco não pagou o mico que a paixão maior pode pregar. Mas quando deu por si, ela já tinha desaparecido.

Sentiu um nó no coração, uma dor com gosto de passado, por não saber como encontrá-la outra vez. Ao som de uma canção, chorou baixinho. Quis maldizer a sua sorte, a sua sina, o seu jeito de caçar. Mas se lembrou de guardar o dia, a hora e a beleza daquele lugar.

Os amores inesperados podem ocorrer, muitos de nós temos a esperança que sim, mesmo assim, pensou.

Para não deixar o seu coração na mão do acaso e para mostrar a ela que também ficou muito a fim, voltou no outro dia, todo dia, ao belo lugar - sem ficar triste, porém, um único dia, por não ter a sorte de encontrá-la outra vez. Mas eis que, em um esperançoso dia, ele a descobriu: no mesmo vestido, no mesmo salto, no balanço irresistível ao andar. Sua camisa não era a mesma, mas os cabelos grisalhos faiscavam ainda mais.

Como um velho conhecido, ele se apresentou e sem dar tempo a ela de respirar destilou aquilo que sentiu naquele dia, quando a viu pela primeira vez. Então ela retomou o fôlego, avaliou onde se meteu e percebeu, disfarçando o nervosismo, que o seu coração, sorrateiramente, em uma armadilha, também se meteu. Agora percebe porque os seus olhos não desviavam daquele vestido e dos mesmos sapatos, todas as vezes em que se aproximava do armário do quarto.

Ela estava bela, mais uma vez ele se encantou e sem lhe dar opção, segurou a sua mão, caminhou confiante, adiante. Fitou os olhos enormes, encantadores, agora, da amada, e lhe conduziu para dentro da vida que sempre desejou.

Não houve jeito, o lobo, perdidamente, se apaixonou.

Edson Neves - A DAMA E O LOBO.