SETE DE SETEMBRO

SETE DE SETEMBRO

D'um obscurantismo jamais visto as fotos do dia da Pátria, hoje, em Brasília: O presidente da República do Brasil acompanha o tradicional desfile da Independência ladeado por um bispo neo-pentecostal e o dono d'um grupo de mídia.

Obscurantista sim, pois remete ao tempo em que os chefes da nação se faziam acompanhar por autoridades eclesiásticas… Não poucos veículos de imprensa ressaltaram, diante das imagens publicadas, a substituição dos presidentes do Congresso e do Supremo nos devidos postos de honra d'uma república que, constitucionalmente, ainda divide o Estado brasileiro em três poderes independentes.

Ainda… A não ser que, movidos pelo simbolismo das fotografias, entendamos de vez que os poderes que o actual presidente realmente reconhece -- de modo absolutamente autocrático e ao arrepio da Constituição Brasileira -- sejam aqueles presentes nas monarquias medievais, a saber, o Temporal, da Realeza; e o Espiritual, da Igreja -- aos quais, a partir de 2019, o Brasil parece ter retornado. 

Vale recordar, por outro lado, que não apenas bispo neo-pentecostal, Edir Macedo é também dono de grupo de mídia. A elevação do empresário religioso à autoridade da República no desfile d'este sete de setembro reforça o entendimento de que Bolsonaro seja hoje, antes de mais nada, um governante ávido de domínio sobre amplos setores da opinião pública. Igualmente digna de nota a distinção feita ao também dono de grupo de mídia, o apresentador Sílvio Santos, como se a estabelecer que sua concessionária de comunicação social passe a assumir a posição de voz privilegiada d'este novo-mas-já-velho regime político.

A falta de pudor de Bolsonaro em exibir os "seus" canais de mídia eletrônica forçosamente nos leva a pensar sobre como serão os próximos meses e anos de seu governo. Vejamos: A comunicação social deverá ser cada vez mais cuidadosa se comparada à exagerada exposição que o actual presidente se impôs desde o início do ano. As honras de autoridades recebidas pelos empresários deverão se traduzir em apoio editorial escancarado em seus programas de jornalismo e entretenimento. Já dominante em amplos espaços de comunicação nas redes sociais, o bolsonarismo passará a entrar sistematicamente nos lares com seu discurso a flertar ora com o conservadorismo econômico; ora com o extremismo político na condução dos destinos da nação.

Mas mais simbólico, para todos os efeitos, é esse alinhamento explícito entre o antiesquerdismo truculento que Bolsonaro lidera e a ascensão do neo-pentencostalismo como religião e moralidade dominantes no país. A laicidade do Estado Brasileiro foi mais uma vez ignorada n'esse governo em face do projeto de poder cristianizador que as referidas igrejas procuram exercer de modo crescente na sociedade brasileira.

Ao escolher um líder religioso em lugar d'uma autoridade, o presidente demonstra desprezar o simbolismo da República bem como os princípios de nossa Constituição. 

Não nos enganemos: O futuro que se está a construir hoje, no eixo monumental de Brasília, tende a descambar n'um fundamentalismo cristão conveniente e conivente com o autoritarismo. O Brasil que se celebra independente insiste em olhar para o passado e se desejar colônia de novo d'algum império que, sob justificativa de nos civilizar, pós-moderniza o cristianismo com vias a exercer em nome de Deus domínio sobre corações e mentes, até que o poder central volte a ser familiar, hereditário e, afinal, absoluto.

Mas isso já são outros quinhentos.