Silêncio do céu
Primeiro e último dia do mundo. No céu o grande esquecimento guarda o silêncio eterno, vazio e azulado de nuvens cinzas. Despertei hoje emudecido por um torpor na alma, um amortecimento nos pensamentos, vazio. Um nada cheio do mundo que canta ao sol do meio-dia a hora mais clara, o sagrado ponto solar em que o mundo se ilumina de perfeição. Silencia o vento que venta sem fremer as folhas, tudo repousa na serenidade, como no sétimo dia da criação, fresco e novo, sem explicação. As sombras se encurtam, meus pensamentos se afastam, a vida fala-me através do silêncio. Minha audição é panorâmica: minha alma está sem porto, sem barco, ouço tudo ao mesmo tempo.
Ah, quem dera-me dormir a alma neste sono de regato, neste sonho de divindade! Quem dera sentir sem ter o ser afetado, pensar sem pesar a consciência, viver translúcido como o vento, fluído como a água, mutável como o fogo! Pura consciência!
Hoje Eu Sou, nada mais. Sou céu. Meu pensamento são como aquelas nuvens vagando no espaço imensurável de minha consciência celeste. Sou nuvem, sou vento. Sigo o caminho do vento, fluindo dentro de mim mesmo; palmilhando desertos e recantos de minha alma metamorfoseio-me em muitas paisagens, e dou a mim mesmo o direito de me enganar, brincando como as crianças de enxergar o que quer nas nuvens. Eu vejo-me como quem que já estivesse morto, e no estado incorpóreo visse, sem olhos, o corpo de si mesmo. Eu Sou o silêncio do céu.
Amanhã, ou daqui alguns instantes, serei outro, verei como outro, sentirei e pensarei como outro; composto de ilusões e decepções, pesado fardo da eterna busca pela satisfação. Enquanto tudo ainda está perfeito dormirei ao sons dos pássaros que ecoam no silêncio eterno da morte.