Sinto 12

Movimento e Repouso é o codinome que dou. Arranjei mais este inventar para o ponto zero que estabeleceu-se em mim para ficar. Partida e chegada, querer e não querer, luz cintilante de uma cor só, clareira plena, despojada no oferecer, liberal, permissiva para o jeito que eu quiser ser.

Sagrado adaptável aos olhares que busco na vitrine do tempo, cabeças pensantes, que do comum e rotineiro jeito mecânico de ser, passaram ao prosaico, prosear, viajar no imaginário.

Cheguei à conclusão incontestável para o juízo, até que resiste, mas deságua no ver; sentir nas mentes daqueles que saíram do uso do corpo, criaram músicas, histórias para os livros, amores para as mentes dos homens, verem-se, esperançarem serem algo mais que carne, osso, pele, sangue e vísceras.

Como pôde ser Fernando pessoa na cabeça que foi!? ter plasmado personalidades, criado identidades, deixando pulverizado em chuviscos e lampejos, gostos e desgostos do que pode ter sido ou aparecido ser de si e do outro.

O que importa achar o homem do hoje, tentar decifrá-lo, decodificá-lo no ser feliz ou infeliz?

Deixou uma abundância de emoções em prosa, versos e narrativas, de pequeno, médio e difícil interpretações. Por meio delas, mesmo que dando trabalho para quem fosse interpretá-lo, traduziu a alma humana como nunca.

Alberto Caieiro, no seu comodismo, conformismo arrumado, na normose ajustada para a mente grande não enlouquecer no viver na realidade antiga de mundo.

Ricardo Reis, médico que buscava curar almas a quem interessar fosse.

O desenfreado Álvaro de Campos, naquele homem do agora, de impulso desenfreado para o ter, o ser, o conhecer o conviver na ganância do agora.

Talvez...quem sabe... tenha deixado o véu entreaberto de sua Alma, quando, no Poema Aniversário, heterónimo Álvaro de Campos,confessou tudo, demonstrando seu fracasso, sua derrota quanto humano, de não ter conseguido se satisfazer em ser neste mundo, no berço que o criou, na mente que habitou, indicando o fósforo sem fogo que sua alma se tornou.

Poetizou:

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino,

O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

A que distância!...

(Nem o acho... )

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),

O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

*** *** *** ***

Quisera poder ceder a ele o fogo caloroso divino, o sagrado que me acompanha, entregá-lo em uma tocha, para que de fósforo frio, pudesse ser aceso, e, após, agradecê-lo pela herança literária deixada de si para nós, auxiliando-nos traduzir nossos fracassos, nossas perdas, nossas desídias, nossos desmanches e ressignificados.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 23/08/2019
Código do texto: T6727664
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